Educadores fazem Manifesto contra projeto “Conta Pra Mim”, do governo Bolsonaro
Professores, educadores, escritores e outros profissionais da área publicaram um manifesto no último dia 01, com mais de 3 mil assinaturas, contra o projeto "Conta Pra Mim", lançado pelo Ministério da Educação (MEC) no final do 2019.
Segundo o documento, o programa "expõe mais uma face do projeto autoritário em curso no país" e está "sustentado por concepções ultrapassadas, preconceituosas e excludentes de educação e de família", oferecendo produtos e muita propaganda definidos por valores morais e religiosos.
O governo disponibilizou no site 40 livros infantis que integram o programa. São clássicos da literatura infantil, mas que foram - acreditem! - modificados. Em "A Bela Adormecida", o beijo não existe mais. O caçador não mata o lobo em "Chapeuzinho Vermelho" e a mãe de não abandona seus filhos, João e Maria, na floresta. Até na lenda do Curupira, os caçadores se arrenpendem e ficam bonzinhos, ao invés de serem punidos.
Pedro Bandeira, autor renomado, criticou abertamente o programa através de uma carta publicada no jornal Folha de São Paulo, onde expõem os perigos que a mudança das histórias podem trazer para o desenvolvimento e aprendizado das crianças.
Segue o Manifesto na íntegra, para assinar clique aqui
Manifesto não ao retrocesso nas políticas públicas do livro e da leitura
O programa Conta pra mim, lançado pelo Ministério da Educação no final de 2019, expõe mais uma face do projeto autoritário em curso no país. Sustentado por concepções ultrapassadas, preconceituosas e excludentes de educação e de família, oferece à primeira infância (crianças de zero a cinco anos) e às suas famílias produtos (cartilhas, vídeos, “livros”) e muita propaganda sobre o que alguns desconhecidos elegeram, a partir de valores morais e religiosos, como o certo e o errado, o bom e o mau, o bonito e o feio. Desconsiderando o vasto e qualificado conhecimento acumulado de pesquisas sobre a literatura infantil e formação de leitores, experiências sobre leitura e infâncias e a intensa criação e produção editorial brasileiras, que contam com reconhecimento e prêmios nacionais e internacionais, de outras políticas públicas exitosas já implementadas, o programa do Governo Bolsonaro, coerente com a atuação do atual Ministério da Educação, investe na conformação e na redução de horizontes para o livro e a leitura no país. Dentro de uma proposta denominada “Literacia familiar”, nega-se a bibliodiversidade, característica da produção editorial brasileira, ao serem disponibilizados livros com formatos idênticos, com a mesma proposta de ilustração, em títulos e gêneros diversos, adaptações restritas de narrativas clássicas, representadas com linguagem empobrecida. Além disso, desconsidera-se sua materialidade – que livro é esse que pode ser lido on-line e impresso em casa (como se toda casa brasileira tivesse condições materiais para isso), inclusive em formatos para colorir?
Nós, educadores (as), professores(as), bibliotecários(as), pesquisadores(as), escritores(as), ilustradores(as), editores(as), mediadores(as) de leitura, narradores(as) de histórias, produtores (as) culturais, agentes comunitários(as), mães, pais, avós e todos os (as) que nos dedicamos à educação e à cultura das infâncias, recusamos uma iniciativa que não considera as crianças e as famílias brasileiras e suas condições objetivas e subjetivas para ler; que desconsidera a importância da escola como espaço privilegiado para a formação de leitores; que despreza nossas pesquisas e experiências em função de conceitos mal compreendidos e aplicados de maneira aligeirada. Dizemos não a esse programa e reiteramos nosso compromisso formativo na relação entre crianças e livros, ou melhor, bons livros.
Mais que de histórias bonitas e divertidas para passar o tempo com os pequenos, os livros (texto, ilustrações, formatos) são feitos de ideias. Nos livros de literatura, a criança encontra aberturas diversas para compreender o mundo, que é grande e complexo. Esse programa do atual governo decide privilegiar narrativas que estabelecem verdades prontas e fechadas ao invés de proporcionar um repertório que contemple os conflitos, os desejos, os medos, as alegrias e os sonhos humanos, com convites para caminhos plurais. A oferta da língua que narra, canta, orienta, comunica, ordena e subverte já é promessa de alguma liberdade. Entender e se apropriar da língua, falada ou escrita, ampliam os horizontes do pensamento. Em contato com os livros e a leitura, desde muito pequenas as crianças começam a participar da cultura escrita. E começar cedo não quer dizer aprender a decifrar precocemente símbolos gráficos, sair na frente para competir, mas significa, isso sim, contar, desde os primeiros dias de vida, com a abertura para novos horizontes, que as ajudem a compreender o tempo e o espaço em que vivem e as relações de que participam.
Por isso e considerando conquistas como a Política Nacional de Leitura e Escrita e a trajetória do PNBE, dizemos coletivamente não ao Conta pra mim e exigimos a elaboração de um programa que incorpore uma revisão conceitual e executiva, com processos transparentes, que incluam efetivamente os vários agentes que se dedicam ao tema, desde o planejamento das ações até a criação, a produção e a distribuição dos livros.