Reforma da Previdência: modelo chileno deve servir de alerta aos brasileiros
Silvia Barbara
Em 12 de novembro de 2018, mais de trezentas pessoas se reuniram no auditório do Dieese, na região central de São Paulo, para ouvir o chileno Mário Reinaldo Villanueva Olmedo, dirigente da Confederación de Profesionales Universitarios de la Salud (Fenpruss). O SinproSP esteve presente ao evento promovido por oito centrais sindicais, que também serviu para lançar a Campanha Permanente em Defesa da Previdência e Seguridade.
Mario Villanueva tinha sido convidado a falar sobre o modelo de Previdência Social chileno, cujo sistema – de capitalização individual – faz parte da reforma previdenciária do governo Bolsonaro. Por isso, é importante recuperar o que o dirigente chileno explicou, agora que a proposta deve ser apresentada ao Congresso (dia 20, provavelmente).
O que é a capitalização individual
Na capitalização individual, cada trabalhador contribui mensalmente para sua aposentadoria numa conta separada dos outros trabalhadores, como se fosse uma poupança. É diferente do sistema atual – de repartição – onde todos contribuem para um fundo que mantém as aposentadorias e demais benefícios previdenciários e assistenciais.
Para trabalhadores de classe média, a capitalização individual pode parecer tentadora. Afinal, eles que contribuem por mais tempo, já que estão menos vulneráveis à informalidade ou dispõem de recursos para manter a sua contribuição ao longo dos anos.
Não é tão simples assim. Em primeiro lugar, a capitalização individual elimina o caráter de solidariedade presente no sistema de repartição. Além disso, contribuir para sua própria aposentadoria não é garantia de que ela estará assegurada mais tarde.
É o que está acontecendo no Chile, como mostrou Mario Olviedo em sua palestra. Passados 38 anos da adoção do regime de capitalização individual, a experiência revelou-se um enorme fracasso. Veja a seguir.
A experiência chilena
O Chile foi o primeiro país a privatizar a Previdência. A reforma aconteceu em 1981, durante a ditadura de Pinochet. No modelo chileno, cada trabalhador tem que contribuir com 10% do salário. Os recursos são aplicados no mercado financeiro por empresas privadas, as Administradoras de Fundos de Pensão (AFP), que ainda ficam com 1,5% do que é poupado pelos trabalhadores. Não existe contribuição patronal.
Segundo Olviedo, o sistema remunera muito mal os trabalhadores, mas enriquece os bancos. O dirigente chileno afirmou que 78% das aposentadorias pagas pelas AFPs são inferiores a um salário mínimo e 44% estão abaixo da linha de pobreza, o que levou o governo a criar, em 2008, um fundo para completar a renda desse grupo mais pobre. Hoje, esse aporte é de US$ 158.
Quando o modelo foi implantado, havia a promessa de que os aposentados receberiam perto de 70% de seu último salário. Hoje, a situação é muito diferente. O valor do benefício de um trabalhador é, em média, 33% do salário que ele recebia às vésperas da aposentadoria.
Para as trabalhadoras, a situação é ainda pior: em média, elas recebem apenas 25% do salário que tinham antes de se aposentar. Essa diferença existe, em parte, se aposentam mais cedo e usam parte dos recursos para outros fins”, como a licença maternidade.
Por que não deu certo
O fracasso do modelo de capitalização tem vários motivos. Um deles é a dificuldade de os trabalhadores permanecerem um longo tempo no mercado de trabalho sem interrupções.
O outro motivo é o risco inerente às aplicações financeiras. Em 1981, a rentabilidade era de 12% e hoje é de 4%. A crise de 2008 provocou perdas gigantescas que nunca mais foram recuperadas.
Esse quadro dramático levou ao surgimento do NO+AFP, um movimento vigoroso contra o modelo adotado no Chile e que defende uma Previdência universal e solidária, com financiamento tripartite – trabalhadores, empresários e governo – e administrada pelo Estado. Por este motivo, o NO+AFP está coletando assinaturas para apresentar um projeto de lei de iniciativa popular que propõe uma mudança radical no sistema de pensões.
Em novembro de 2018, o governo acabou enviando um projeto de lei para aumentar gradualmente o valor das aposentadorias e tentar frear o movimento do NO+AFP.
O Chile é a Suiça?
A experiência chilena deve servir de alerta aos trabalhadores brasileiros. Paulo Guedes, o banqueiro que hoje atua como ministro da Economia, trabalhou na Universidade do Chile no início dos anos 80, quando a Previdência chilena foi privatizada. Em entrevista ao jornal Financial Times, em 11/02, Guedes chegou ao delírio de dizer que o "Chile é agora como a Suiça ao defender as reformas ultraliberais executadas pela ditadura militar. É isso que ele agora promete para o Brasil.
Silvia Barbara é professora de Geografia e diretora do SinproSP