Campanha salarial

Professores do Santa Cruz divulgam carta aberta

Atualizada em 09/05/2018 16:01

CARTA ABERTA DOS PROFESSORES DO COLÉGIO SANTA CRUZ CONTRA A PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO DOCENTE E EM DEFESA DA QUALIDADE DE ENSINO

A quem interessa?

“Esse é tempo de partido,

tempo de homens partidos.”

(“Nosso tempo”, Carlos Drummond de Andrade)

Acordos, leis, constituições são algumas das formas encontradas, em sociedades estruturalmente desiguais, para a materialização do entendimento entre setores em disputa, com o propósito de tornar suportáveis as assimetrias e, sobretudo, de evitar a progressão dos conflitos e o esgarçamento do tecido social. Nas sociedades democráticas, os momentos em que se acordam direitos e deveres constituem a razão de ser delas, uma vez que eles regulam as condições de produção e de trabalho, respondendo tanto aos interesses dos setores subalternos quanto aos dos setores dominantes da sociedade – algo nem sempre claro no imaginário social.

Apesar da importância social desses acordos, o que atualmente se tem visto são, no entanto, rupturas unilaterais dessas formas de entendimento, quer por negá-las no âmbito de entidades representativas, quer por negar aspectos em consenso há décadas, que têm protegido condições mínimas de trabalho e de vida. A quem interessa isso?

Há mais de 20 anos as Convenções Coletivas de trabalho da categoria dos professores vêm garantindo direitos e deveres, assegurando estabilidade nas relações entre empregadores e empregados, e propiciando um ambiente construtivo de respeito à atividade docente. Tal deferência, até então, vinha encontrando respaldo na lei e, antes disso, na própria sociedade. Por que direitos tão longamente discutidos e acertados são, agora, renegados? A quem interessa isso?

Além de refletirem uma percepção da sociedade acerca do ofício de ensinar e do lugar do professor na educação, as Convenções Coletivas estão fundamentadas na percepção recíproca entre os dirigentes e o corpo docente das escolas, mediada por seus respectivos sindicatos – Sieeesp e Sinpro-SP –, de que não são indivíduos isolados e autogeridos, mas parte de categorias. A desconsideração desse pressuposto implica o desequilíbrio de forças e precariza a atividade docente e o ambiente de trabalho. São insuficientes as justificativas para o questionamento da estabilidade semestral, de bolsas de estudo, do parco tempo de descanso, uma vez que tais alegações não reconhecem, nesses direitos, a garantia bilateral de demandas importantes para toda a sociedade, tais como a baixa rotatividade de professores durante o período letivo; a fidelização a projetos institucionais; a saúde física e mental do trabalhador; a equalização do valor hora/aula ao real dispêndio de tempo de trabalho na escola e fora dela; a equiparação desse valor ao praticado no mercado de trabalho em geral; e a segurança jurídica.

Piores condições para os trabalhadores do ensino geram piores condições de ensino para os estudantes. A quem interessa isso?

De fato, a reciprocidade que envolve os acordos entre a categoria de professores e a de empregadores tem garantido que interesses diversos não coloquem em xeque algo comum a elas: a educação. Sem o reconhecimento de que as convenções têm sido importantes instrumentos de diálogo – na busca do aprimoramento e não do retrocesso daquilo que já havia sido pactuado –, a educação sofre profundas e deletérias consequências, já que é impossível promovê-la com base na fragilização dos trabalhadores. Mais do que transmitir conteúdo, a educação pressupõe que professores inspirem o gosto pelo conhecimento e a formação de sujeitos autônomos, críticos e criativos – demanda repetida socialmente nas mais diversas instituições. Romper com garantias – que não são privilégios – deteriora os elos de confiança em um projeto comum, silencia o debate acerca dessas questões e compromete a formação discente. A quem interessa isso?

Se há um discurso unânime hoje, mesmo em tempos de um país partido, é o de que “o Brasil precisa investir em educação”, “dar prioridade à educação”. Concretamente, as condições necessárias para o desenvolvimento de uma educação de qualidade, como já visto pelos exemplos de outros países, não se dão de forma espontânea. A garantia do tempo necessário para o preparo de aulas e correções de trabalhos e provas é fundamental, da mesma forma que é essencial um limite de carga horária, para evitar rotinas excessivas e a consequente queda na qualidade de ensino. Educadores – e demais trabalhadores – devem ter protegidas as condições para a formação crítica e atualizada, com tempo e oportunidades de capacitação, estudo, aprofundamento, atualização, informação, acesso a bens culturais. Sem isso, qualquer reforma, qualquer “modernização” não encontra eco na realidade de escolas privadas e públicas.

Os recentes ataques aos direitos de professores da rede pública e da rede privada são sintomas de uma sociedade que dá mostras a todos, incluindo crianças e jovens em formação, de que a vida do trabalho e os projetos de existência em torno disso não têm garantias, para além das forças do indivíduo. Estreitam-se os horizontes de pertencimento e de reais transformações para a sociedade, e desamparam-se todos. A quem interessa isso?

Estamos lutando pela educação, por um debate sério e por mudanças positivas para o país. Convidamos, pois, a comunidade escolar – dirigentes, professores e demais funcionários, estudantes, familiares e todos que concordam que danos à educação são nocivos a toda sociedade – a refletir acerca dos questionamentos levantados e a se posicionar honestamente.

Professores do Colégio Santa Cruz

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