Não vai deixar saudades
O ministro Ives Gandra Martins Filho encerrou, dia 26/2, seu mandato de dois anos na presidência do Tribunal Superior do Trabalho (TST).
Assumiu em seu lugar o ministro João Batista Brito Pereira, a quem desejamos boa sorte, na expectativa de que o próximo biênio seja marcado por menos parcialidade e maior compromisso com o Direito do Trabalho.
Há dois anos, quando Ives Gandra assumiu a presidência do TST, o SinproSP publicou um artigo chamando a atenção para o radicalismo conservador do ministro.
Gosto pela polêmica
O artigo do SinproSP, de 2016, prenunciava tempos ruins, mas Ives Gandra foi muito além do nós imaginávamos.
Dias antes da posse, o ministro foi muito criticado pela Associação Nacional dos Magistrados na Justiça do Trabalho (Anamatra) por conta de uma entrevista ao jornal O Globo em criticava o paternalismo da Justiça do Trabalho e as altas indenizações. Defendia também mudanças na legislação trabalhista, antecipando o que viria a ser aprovado pelo Congresso em 2017.
Em seu discurso de posse, Gandra Martins voltou a defender a terceirização que, naquele momento (2016), era apenas uma ameaça – uma projeto de lei (PLC 30/2015) em tramitação no Senado. No final, uma outra proposição (PL 4.302/1998) acabou legalizando a contratação terceirizada.
Um outro ato muito polêmico foi ter suspendido, a pedido do Ministério do Trabalho, a divulgação da “lista suja da escravidão”, o cadastro dos empregadores acusados de explorar mão de obra em condições análogas ao trabalho escravo (veja mais) .
Também em 2017, o site The Intercept denunciou que 11 emendas da reforma trabalhista assinadas por uma deputada - Gorete Pereira (PR-CE) - tinham sido redigidas em computadores do TST. A reportagem citava Ives Gandra como o grande entusiasta da reforma.
Questionado pela ministra do TST, Kátia Magalhães Arruda, o Tribunal admitiu a “sugestão” de apenas uma emenda - sobre taxa negocial - entregue à deputada Gorete.
Outros juízes
A postura do presidente do TST também acabou rendendo estranhamento com outros magistrados. Em artigo publicado no site Justificando , os juízes do Trabalho Jorge Luiz Souto Maior e Valdete Souto Severo acusavam Gandra de não ter “o menor conhecimento do que efetivamente se passa na Justiça do Trabalho de primeiro grau”, já que tinha se tornado presidente do TST sem “nunca ter feito uma audiência trabalhista na vida”. O artigo levou a uma reclamação disciplinar de Gandra no Conselho Nacional de Justiça contra os autores do artigo.
A relação com parte dos ministros do TST também está longe de ser tranquila. Há divergências sobre a atuação e o ultraconservadorismo do ex-presidente. Em 2017, quando a reforma trabalhista ainda tramitava no Senado, dezessete ministros do TST encaminharam documento opondo-se à proposta radicalmente defendida por Martins.
A imprensa noticiou discussões bastante acaloradas com pelo menos dois ministros.
Falta discrição
A conduta nada discreta, as críticas à Justiça do Trabalho e a defesa à reforma trabalhista não condizem com o que se espera de um magistrado. Afinal, é difícil imaginar um julgamento isento, diante de tanto comprometimento pessoal e ideológico.
Por tudo isso e mais um pouco, Ives Gandra sai da presidência do TST e já vai tarde. Não deixará saudades pra ninguém.