Trabalhador intermitente não aposenta, mesmo com contribuição*
Silvia Barbara**
Se alguém tinha dúvida sobre o caráter lesivo da reforma trabalhista, desta vez vai firmar convicção. A medida provisória que alterou alguns pontos da Lei 13.467 deu o tiro de misericórdia e consagrou o que há de mais cruel na vida de um trabalhador: inviabilizar sua aposentadoria.
Na nova lei, o contrato intermitente pode impedir o acesso aos benefícios previdenciários – aposentadoria, auxílio-doença, salário maternidade -, ainda que haja contribuição previdenciária.
O trabalho intermitente é aquele em que não há uma jornada mínima fixada e o empregado recebe apenas pelas horas trabalhadas. Uma pessoa pode ser contratada por diversas empresas, com registro em carteira, e no final do mês não receber nada, caso não seja chamada por nenhum de seus empregadores.
Para a empresa não custa nada registrar, já que os encargos incidem apenas sobre as horas trabalhadas. Se não precisar do empregado, não terá custo algum.
A medida provisória 808/2017 detalhou como esse tipo de contrato é feito. A maior aberração está em confirmar a possibilidade de que, ao final do mês, o empregado receba menos de um salário mínimo, ainda que tenha trabalhado para mais de uma empresa.
Nesse caso, o trabalhador terá que complementar a contribuição previdenciária para atingir a alíquota de 8% sobre um salário mínimo (R$ 74,96, em 2017). Se não tiver dinheiro, esse mês não será considerado como tempo de serviço para aposentadoria ou para cumprimento da carência (número mínimo de contribuições) necessária para outros benefícios previdenciários.
Veja bem: o empregado trabalhará para uma ou mais empresas, receberá seus salários com o desconto do INSS e não poderá usar esse tempo para se aposentar porque, desgraçadamente, a nova legislação permite que ele receba menos de um salário mínimo.
Enquanto isso, essa mesma lei dá ao patrão a liberdade de superexplorar a mão de obra sem nenhum risco, nem responsabilidade, inclusive em relação à contribuição previdenciária de seu empregado.
E num verdadeiro ato de provocação, depois de editar a medida provisória, o governo começou a veicular propaganda da reforma da Previdência, que aumenta ainda mais o tempo de contribuição.
Se alguém acha que a fatalidade da reforma trabalhista atingirá os trabalhadores não qualificados, um aviso: o desequilíbrio no tratamento dado a patrões e empregados está presente não apenas no trabalho intermitente, mas em toda a Lei 13.467. É esse desequilíbrio em favor das empresas que empurra as relações de trabalho no Brasil de volta ao século XIX.
*Professora, diretora do SinproSP e colaboradora do Diap.
(1)Artigo publicado originalmente no site do Diap, em 21/11/2017.