SinproSP

A concepção de Vera

Atualizada em 10/10/2014 11:41

A idade em que ocorreu o fato, ela já não se lembra muito bem. Poderia ter sido aos 12 ou 13 anos. Da aula de Ciências da professora Cida, porém, ela se recorda perfeitamente.

Naqueles dias, algo acontecia em seu corpo que se transformava, mas ela não compreendia. A mãe, carinhosa, porém sempre ocupada com outros afazeres, com a casa e com os outros filhos, não conversava com Vera acerca dessas transformações. O pai, então, achava que esses assuntos de mulher não eram coisa de conversa de homem, ademais quase todo o seu tempo era destinado ao sustento da família.

A aula de Ciências a encantava e a intrigava, não necessariamente nessa ordem. A dona Cida dizia e ensinava coisas novas. Coisas invisíveis, que aconteciam dentro do seu corpo e que ditava estas transformações.

Um dia, ao final da aula, relutando com sua timidez, procurou a professora para relatar o que sentia: cólicas, irritação, uma certa sensação de abalos dentro de si. A professora, então, explicou a ela esses assuntos de menina. Explicou como essas transformações são fundamentais para a reprodução humana. Falou dos incômodos e das boas sensações que poderia sentir a partir de então. A professora falou e ouviu; como tantos outros professores fazem.

Quando lhe surgiu outra sensação, algum tempo depois, uma sensação quente, de paixão, lembrou-se dos métodos contra conceptivos que a boa professora lhe ensinara. Curtiu o amor sem se machucar e gostou de ter se lembrado e aprendido as lições passadas.

Lições que não ficaram apenas nas aulas de Ciências. A Cidoca, como a companheira gostava de ser chamada nas manifestações, também falava da importância das transformações sociais, tão relevantes quanto as transformações corpóreas.

E Vera foi para as ruas, e lá bradou contra as injustiças, e lá afiou ainda mais o sentimento de transformação. Correu, cantou, marchou. À frente dela, às vezes ao lado, a querida professora, agora camarada de lutas.

E seguiu os passos desenhados pela pessoa que tanto admirava. Na universidade descobriu e desejou novas transformações. Tornou-se uma cientista! Transformava-se mais. A cada dia procurava mudar o que via, aquilo que achava que estava errado, como uma grande arquiteta da natureza.

Terminou o curso de ciências. Titubeou: laboratório ou sala de aula? Optou pela primeira alternativa.

Ficou feliz ao ter tanta matéria para transformar, tantas possibilidades de soluções, de ligações covalentes, ou não, de experimentos. Às vezes o trabalho solitário da pesquisa era bom, outras vezes não.

Inquieta como sempre fora, sentia que algo lhe fazia falta. As reações químicas, os complexos estudos de biologia, os cálculos físicos, tudo isso era sedutor. Mas faltava algo...

Um dia uma colega professora pediu-lhe um favor: falar com as crianças do colégio em que lecionava a respeito da fotossíntese, explicar como a luz do sol poderia servir de alimento para as plantas.

Ela foi. Encontrou alunos ávidos e curiosos... e barulhentos. Começou a falar com a linguagem dos cientistas, logo percebeu “cara de interrogação” na cara dos meninos como quem pergunta: o que esta pessoa diz? Quem é ela?

Percebeu que faltava algo para se aproximar das crianças. Lembrou-se da professora Cida. Encarnou-a. Aconteceu a magia da aproximação: fez-se entender e entendeu as crianças.

Aquilo havia perturbado seu espírito, percebeu que outro possível elemento de transformação fora encontrado. Algo tão valioso que não poderia ser deixado de lado.

E Vera, verdadeiramente, observou maravilhada, que aquilo que faltava foi encontrado: a possibilidade de encantar e transformar pessoas com o seu conhecimento.

Fez testes, fez entrevistas. Foi contratada para lecionar numa escola privada em São Paulo.

Na sua primeira aula, trabalhou com esmero as transformações do corpo humano. Uma menina, de olhos castanhos, vivos, com uma trança afro, rompeu um pouco da sua timidez, procurou pela professora Vera ao final da aula e disse-lhe: - Professora algo está acontecendo no meu corpo...

E Vera emocionada lembrou-se de Cida. Percebeu que também poderia modificar pessoas...

Diretoria do SINPRO SP

Homenagem a todos os professores do ensino privado de São Paulo, em especial às professoras que correspondem a 80% da categoria.

.