ARTIGO

Qual o papel político das professoras?

Atualizada em 28/03/2023 10:48

*Sandra Caballero, professora de História e de Sociologia e diretora do SinproSP

Quando falamos em atuação política do professor e professora em sala de aula, isso causa arrepios. Há um falso entendimento entre os brasileiros que política, necessariamente, envolve atuação partidária. E movimentos autoritários, como o "Escola Sem Partido", contribuem para radicalizar o debate.

Na verdade, o ser humano é um ser político, viver em sociedade é um ato político. Estamos sempre negociando direitos, estabelecendo deveres e testando limites. Definir como serão ocupadas as vagas na garagem do condomínio é um ato político. Estabelecer regras para o uso de celular em sala de aula é um ato político. Sendo assim, nós, educadores e educadoras estamos o tempo todo fazendo política na escola, independentemente da disciplina.

Por isso, vale a reflexão, nesse mês de março, sobre a atuação política das professoras no ambiente escolar, na nossa relação com os alunos, com os colegas e com a instituição para a qual trabalhamos. 

Você já parou para pensar quantas vezes já reproduziu os papéis de gêneros socialmente aceitos numa sociedade machista? Uma reação de surpresa quando a menina diz que pretende prestar engenharia mecânica ou o menino, pedagogia. A cobrança quanto ao tamanho da saia das meninas, enquanto meninos são livres para se vestirem como quiser. A dificuldade em lidarmos com os diferentes gêneros em sala de aula e a necessidade de oferecimento de qualificação pelas escolas. O mundo muda, felizmente, e temos que acompanhar as mudanças, mas isso requer investimento. A responsabilidade pela formação contínua do professor e da professora é de toda a sociedade, não pode ficar restrita a uma cobrança ou iniciativa individuais.

Você já sentiu diferença no tratamento dispensado a professores e professoras pela instituição? Uma intimidação maior a nós mulheres na hora de negociar direitos e deveres. E aqui, estou me referindo apenas a gênero masculino e feminino. 

Quantas vezes no lanche comunitário não deixamos os rapazes responsáveis pelas bebidas? Afinal, eles não sabem cozinhar. Uma certa tolerância com piadas machistas, não queremos ser tachadas de feministas radicais, nem estragar o ambiente. Muitas vezes, as mesmas recriminações que fazemos sobre as roupas de meninos e meninas reproduzimos para professoras e professores.

São detalhes, mas que determinam um posicionamento político de reforço da sociedade patriarcal. Características específicas da educação nos atribuem um extenso trabalho em nossas casas, com preparação de aulas, correção de atividades e, mais recentemente, as reuniões virtuais que invadem o nosso ambiente pessoal. A isso juntam-se os serviços domésticos, cuidados com os filhos e com as pessoas idosas da família. As mulheres trabalham 72% a mais que homens em tarefas domésticas, segundo um levantamento do IBGE.

Os professores recebem, em média, 54,5% do que ganham outros profissionais com a mesma formação. Esse dado está diretamente ligado ao fato da docência no Brasil ser majoritariamente feminina, relação que só muda no ensino superior. Se não há diferenças salarias entre professoras e professores, ela se dá de uma forma mais sutil, na relação com outras profissões e na desvalorização da categoria. 

É necessário repensar o nosso papel político no ambiente escolar, tanto na luta por direitos quanto por um ambiente digno de trabalho, como na nossa atuação como educadoras para a construção de uma sociedade mais fraterna. É um trabalho de reconstrução que envolve a nossa vida pessoal e a nossa atuação como profissionais. O machismo é algo estrutural e sua reprodução também é feita pelas mulheres, a quem cabe, prioritariamente, a educação. A grande questão é: o nosso papel político será de transformação ou reprodução da sociedade patriarcal? Nós, do SinproSP, queremos fazer essa reflexão com vocês.
 

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