Romance “Lena”, de Everaldo de Campo Pinheiro
Lena é um romance sentimental em que o realismo (ou a verossimilhança) das cenas audaciosamente relatadas deixará seu leitor, no mínimo, estuperfacto. E a razão disso é o seu conteúdo polêmico, gerado pelo comportamento de personagens inescrupulosas, em tese, de religiosos tementes a Deus, de índole fraterna, de vida exemplar. De fato, simulacros.
Heróica diante de tantas privações, desilusões e conflitos e no cadinho de experiências amorosas, a sobrinha do padre Roberto cresce vigorosa como personagem fulcral do romance, para despeito de outras personagens secundárias, mistificadoras e invejosas, como Russo, paradoxalmente, vazio de espírito cristão, moldado segundo o estatuto do anti-herói, cujo paradigma de comportamento a ser valorizado é o do cidadão autoritário, prepotente, sardanapalesco.
Vazados numa linguagem rigorosamente impessoal, os relatos fluem, entremeados por diálogos que parecem captados ao vivo. A psicologia das personagens surge clara, inconfundível. A quem senão a um dos confrades do anti-herói cabe destilar, por exemplo, o maldoso preconceito engastado no seguinte trecho transcrito do cap. XLIV? Os nordestinos que estão passando fome acabam sempre enfiando os filhos no seminário. É uma maneira de evitar a miséria e de obter estudo gratuito.
A técnica do romancista Everaldo José de Campos Pinheiro apresenta-se, nessa obra, em plena força. É seu romance de estréia e, s.m.j., disposto a pagar alguns tributos ao gosto do romance de tese dirigido contra o celibato eclesiástico, que já fora tratado por Alexandre Herculano no Eurico, o presbítero, por Eça de Queirós em O Crime do Padre Amaro, para citar, desse contexto temático, apenas obras da Literatura Portuguesa.
José Ribeiro do Prado
Prof. de Língua Portuguesa da USJT