Educação

Protestos em escolas mostram falha na qualidade do ensino

Atualizada em 08/11/2022 15:44

Por Rosiane Correia de Freitas, publicado no Jornal Plural

Nos últimos dias escolas tradicionais privadas de Curitiba registraram episódios lamentáveis de desrespeito ao ambiente educacional e de incapacidade de debate dentro da comunidade escolar. Os casos aconteceram mesmo depois das escolas determinarem restrições a manifestações políticas de professores, funcionários e estudantes durante o período de eleições.

No Colégio Positivo, a determinação de que a comunidade não usasse as cores dos candidatos no ambiente escolar foi seguida por uma manifestação massiva não só de estudantes, mas também dos pais que ocuparam o espaço vestidos de verde e amarelo. A situação se repetiu no Bom Jesus, Marista e outras instituições importantes da rede escolar curitibana numa clara demonstração de quem nem os estudantes, nem as famílias deles respeitam o espaço escolar e suas regras.

Para além da questão político/ideológica, essas crises dentro da comunidade escolar mostram uma falha grotesca na condução do espaço e da comunidade escolar. O ensino é, sobretudo, um processo social. Ao colocar um filho numa escola, os pais o tiram de um ambiente limitado – a família – para iniciar um processo de adaptação à vida em sociedade. Isso é parte essencial da experiência escolar. E da formação de uma pessoa que, no futuro, será capaz de se adaptar a diferentes situações e realidades, uma habilidade que a Harvard Business Review chama de “nova vantagem competitiva”.

Mas não se trata de dois ambientes isolados – a família e a escola. Professores e escola precisam atuar em conjunto com toda comunidade escolar, o que inclui a vizinhança da instituição, além das famílias dos estudantes. Uma comunidade escolar forte e em sintonia implica na negociação de diferenças – de crenças, de opiniões, de posturas, mas também resulta num ambiente de maior tolerância e capacidade de diálogo. E em alunos que aprendem a serem mais adaptáveis a mudanças.

Não se trata de algo alheio à escola e ao processo educativo. É parte integrante disso. Mas as escolas privadas brasileiras têm desmontado espaços de convivência dessa comunidade, desestimulando a organização de grupos de pais e de alunos, evitando o diálogo coletivo e tratando questões do convívio escolar individualmente. Para as escolas particulares, se a comunidade quiser usar o espaço escolar, o lugar disso é escola pública, jamais as instituições privadas.

Do ponto de vista de negócio pode ser uma ótima ideia. Ser uma escola “de direita” ou “de esquerda” é péssimo negócio numa área em que as empresas estão lutando para manter suas salas cheias e o caixa no azul. Muitas escolas também se vendem como espaço de segurança – não do ponto de vista intelectual, onde o estudante pode errar e arriscar, além de testar suas habilidades – mas estritamente no sentido de segurança pública, ou seja, dentro dos muros da escola não há a violência nem as mazelas do mundo exterior. Mas o fato é que não dá para isolar a escola dos problemas da sociedade em que ela está. Daí resta ao administrador escolar tentar “proibir” manifestações políticas.

Para o processo educativo tentar isolar a escola da sociedade em que está é péssimo porque ao se propor ser um espaço de preparação da criança e do adolescente para o futuro, a escola se coloca no centro da necessidade de preparar os estudantes para um futuro no qual flexibilidade, capacidade de diálogo e de adaptação é essencial. Numa sociedade plural como a brasileira, isso é fundamental.

As escolas particulares brasileiras já são um espaço de exclusão. As escolas em que ocorreram os protestos tem mensalidades em torno R$ 1500, um valor proibitivo para a maior parte da população numa cidade em que a renda média mensal é de R$ 2.480,01 (IBGE). Em alguns casos, os esforços das escolas para aproximar os estudantes de realidades diferentes se limita a ações de caridade em favelas da cidade, algo que faz muito pouco ou quase nada para que eles se percebam como iguais em relação a essa população.

Além disso, limita a experiência da “realidade” a uma relação ricos versus pobres, quando o país tem uma estrutura sócio-econômica muito mais diversa.

Não há diálogo real entre duas pessoas quando uma se vê como superior a outra. E é justamente isso que vemos nas manifestações políticas nas escolas: um festival de desprezo a escolha do outro (se não é igual a minha, então não é legítima) e de generalizações até mesmos racistas sobre a decisão de voto alheia (o nordeste depende do sul e outras afirmações equivocadas).

O desprezo é uma estratégia perdedora no debate. E saber debater é outra habilidade fundamental a ser desenvolvida num projeto educativo moderno. Isso implica em saber organizar argumentos, explicar conceitos e, principalmente, ser criativo e rápido em reagir ao argumento alheio. É preciso aprender a encontrar furos nas próprias ideias e argumentos e trabalhar para justificá-los ou superá-los.

É óbvio nas imagens de jovens de bandeira nas costas e com o braço levantado gritando que nada ali se relaciona com o exercício intelectual do diálogo ou qualquer exercício intelectual. É, sim, a imagem do fracasso da escola acima de tudo. Uma escola que se tornou incapaz de estimular o respeito a seu espaço e de preparar seus estudantes para um mundo em que ele precisa trabalhar para ter sua voz ouvida.

Também mostra que a estratégia de recorrer à proibição de manifestação política de professores e funcionários tentou adiar uma crise que era previsível, mas ao invés de lidar com ela de maneira educativa, as escolas optaram pelo autoritarismo. Porém, não estamos mais nos 1960, mas vivemos o legado de 1968 e temos uma população menos cordata e disposta a aceitar um papel submisso.

Ou seja, a sociedade mudou, mas as escolas continuam achando que resolvem diferenças com imposição e sem estimular o diálogo. Estão presas a uma concepção de educação limitante e antiquada. O resultado foi uma reação inapropriada dos estudantes, mas também uma falha da escola e das famílias em conduzir um momento que era para ser de aprendizado e se tornou de reforço de preconceitos.

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