O saque emergencial e as novas tentativas de privatização do FGTS
No dia 17/03, o governo federal editou a Medida Provisória (MP) 1.105, que permite o saque de até R$ 1 mil reais do FGTS, a partir de 20 de abril. A MP faz parte de um conjunto de iniciativas para injetar dinheiro na economia, numa tentativa de reduzir a alta rejeição do presidente da República.
O SinproSP publicou artigo criticando a decisão, por um motivo simples: o FGTS atende a finalidades específicas e muito importantes. Por isso, não pode ser descapitalizado para dar um verniz temporário na situação econômica do país.
Em tramitação no Congresso Nacional há pouco mais de vinte dias, a medida provisória começa a gerar outras ameaças aos trabalhadores. Isso porque alguns parlamentares apresentaram emendas que vão muito além do saque emergencial, mas alteram a estrutura do Fundo em caráter permanente.
Das 34 emendas apresentadas, boa parte transfere os recursos para os bancos privados, amplia a descapitalização e pode levar até mesmo ao seu fim. Propostas que, na prática, acabam com o Fundo de Garantia. Veja algumas dessas emendas:
Pagamento dos 8% de FGTS diretamente no salário
Incautos poderiam até achar a ideia boa: ao invés de depositar o FGTS em conta vinculada da Caixa, os patrões passariam a pagar os 8% diretamente no salário. Só que não. Com o tempo, as empresas passariam a usar parte da remuneração para pagar o FGTS, ou seja, a conta seria transferida para o trabalhador.
Além disso, a proposta esvaziaria o Fundo, inviabilizando suas principais finalidades: garantir proteção em caso de demissão ou aposentadoria e financiar obras de infra-estrutura e moradia.
*Emenda de autoria do deputado Eduardo Cury (PSDB/SP).
Transferência do FGTS – depósitos e gestão – para bancos privados
Até 1990, as empresas poderiam escolher o banco onde deveriam depositar o FGTS. Uma verdadeira festa para o sistema bancário. Com a Lei 8.036/1990, os recursos passaram a centralizados na Caixa Econômica. Os maiores bancos, como Bradesco e Itaú, tiveram até dois anos para transferir o dinheiro.
Hoje, o Poder Excutivo é o gestor dos recursos do FGTS, a partir das diretrizes fixadas pelo Conselho Curador, e a Caixa Econômica é o agente operador.
O Conselho Curador tem gestão tripartide (Poder Executivo, representantes dos empresários e de trabalhadores) e, além de definir a destinação dos recursos, tem o papel de fiscalizar a gestão do FGTS.
As emendas apresentadas permitem que os recursos do FGTS sejam transferidos, a critério dos trabalhadores, aos bancos privados, que atuariam como gestores e não apenas como recebedores e pagadores.
E quem, afinal, seria o maior beneficiário senão as instituições privadas? Em primeiro lugar, os bancos voltam a ter acesso a valores gigantescos, sobre os quais ainda poderão cobrar taxas de administração e tarifas de serviços. Além disso, esses bancos tentarão atrair um número cada vez maior de clientes, prometendo em troca, “benefícios” que estão longe de merecer esse nome, como empréstimos e “redução” nas tarifas bancárias, a exemplo do que acontece hoje com a conta-salário.
Afinal, num mercado tão concentrado como o sistema financeiro, não haverá livre concorrência, nem disputa pelos clientes, mas sim a partilha de um mercado gigantesco.
Emendas de autoria dos deputados Kim Kataguiri (União/SP), Luiz Philippe de Orleans e Bragança (PL/RJ)
Aplicação dos recursos do FGTS em Fundos de Investimentos ou criptomoedas
Aqui também é trata-se de uma transferência dos recursos para o sistema financeiro e, desvirtuando a finalidade do Fundo e atendendo a interesses das instituições privadas.
Emenda de autoria do deputado Gilson Marques (Novo/SC): fundos de investimento . Emenda de autoria do deputado Kim Katigari (União/SP): criptomoedas:
Uso do FGTS para pagar mensalidade do ensino superior privado
Essa proposta é reincidente: vira e mexe aparece no Congresso como projeto de lei ou um jabuti, como é o caso.
Há ainda emendas que permitem o uso do FGTS para saldar dívidas tributárias ou bancárias, de autoria do deputado Kim Katigari. Ele também propôs que o trabalhador possa fazer acordo com o seu patrão e receber 4% do FGTS no salário.
Emenda de autoria do deputada Rejane Dias (PT/PI)
Efeito imediato, danos permanentes
As emendas estão sendo analisadas na comissão mista encarregada de apresentar um parecer sobre a medida provisória, podendo alterar o seu conteúdo. De qualquer forma, a medida provisória tem efeito imediato a partir de sua publicação e assim, os saques começam no dia 20 de abril, como previsto na MP.
Contudo, é inaceitável que parlamentares se aproveitem de uma medida provisória para tentar aprovar, com pouco discussão, mudanças que podem iludir, mas são comprovadamente danosas aos trabalhadores.