Crise na Capes revela desmonte de órgãos de Estado no governo Bolsonaro
Silvia Barbara*
Depois da crise deflagrada no Inep, agora é a vez da Capes, com a renúncia de mais de 80 pesquisadores responsáveis pela avaliação de programas de pós-graduação nas áreas de Matemática, Física e Química. Um fato sem precedentes em seus 70 anos de existência, completados em 11 de julho de 2021.
A direção da Capes está sendo acusada de pressionar pela criação de parâmetros que facilitariam a abertura de cursos pós-graduação a distância, um negócio milionário de enorme interesse das instituições de ensino superior privado. Também foi denunciada por não se mexer para derrubar a liminar que suspendia, desde setembro, as avaliações dos programas de pós graduação.
A crise da vez é mais um desdobramento da condução desastrosa de Milton Ribeiro no Ministério da Educação. Desde a sua posse, o pastor tem contribuído para demolir as estruturas de Estado, ao escolher pessoas de capacidade técnica duvidosa para dirigir órgãos importantes.
A escolha da atual presidente da Capes, Cláudia Mansani Queda de Toledo, é um bom exemplo. Ela e Milton Ribeiro se graduaram em Direito, no início dos anos 90, no Centro Universitário de Bauru*. Cláudia foi reitora dessa instituição, que pertence à sua família, até assumir a presidência da Capes.
Sua nomeação foi comemorada por entidades ligadas ao ensino privado. A Anup - Associação Nacional das Universidades Particulares (Anup) e outras entidades de educação privada divulgaram uma moção em que expressaram satisfação pela escolha, lembrando que ela vinha de uma instituição privada de ensino superior.
Capacidade duvidosa
A comemoração da Anup contrastou com a reação de diversas entidades ligadas à pesquisa e produção científica. A Anped – Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Educação e outras quatorze associações divulgaram uma carta em que revelam “perplexidade e constrangimento” pela nomeação de uma advogada que “não possui carreira acadêmica compatível”. (leia a carta da Anped aqui)
A Sociedade Brasileira de Física pediu que o Mec reconsiderasse a decisão: “Uma análise de seu currículo disponível na Plataforma Lattes mostra que a indicada não possui as qualidades esperadas para o cargo. A Dra. Toledo obteve seu doutorado em 2012 pela Instituição Toledo de Ensino (...) Consta no Curriculum Lattes que ela é atualmente a reitora desta instituição e que foi coordenadora de pós-graduação entre 1994 e 2000, ou seja, foi coordenadora de pós-graduação antes de ser doutora.” (leia a nota da SBF aqui)
Esse também foi o teor da nota publicada pela Sociedade Brasileira de Matemática: “O currículo acadêmico da Dra. Cláudia Mansani Queda de Toledo não possui características adequadas ao cargo de máximo dirigente do país quanto à pós-graduação (...) a indicação recente e inesperada, jamais dialogada com os demais agentes do sistema, coloca em xeque um legado de mais de 60 anos de um delicado concerto de ações, pessoas e instituições que resultou em um modelo em que disputas políticas de menor expressão jamais lograram qualquer influência”. (leia a nota da SBM aqui)
Não é plágio, apenas cópia
Como se não bastasse, o jornalista Lauro Jardim revelou em abril, em seu blog no O Globo, que a dissertação de mestrado da dirigente da Capes possuía partes copiadas de outros trabalhos.
Em nota, a Capes negou o plágio mas admitiu a existência de trechos que reproduzem parágrafos já publicados. Das três partes citadas, duas foram retiradas da Wikipédia e a terceira consta de artigo de Rosita Saupe e Elioenai Dornelles Alves, publicado em 2000 na Revista Latino Americana de Enfermagem.
A crise na Capes é mais um exemplo, entre tantos outros, da política criminosa de instrumentalização ideológica e desmonte de órgãos de Estado ligados à educação e à pesquisa científica que tem marcado o governo Bolsonaro. O que serve de alento é a possibilidade desse pesadelo acabar em breve.
(1) Uma curiosidade: Andé Mendonça, o "terrivelmente evangélico" que tomará posse no Supremo Tribunal Federal também formou-se em Direito no Centro Universitário de Bauru, deu aulas na Universidade Presbiteriana Mackenzie, de onde Milton Ribeiro foi reitor e, assim como o ministro da educação, é pastor da igeja presbiteriana .
*Silvia Barbara é professora e diretora do SinproSP