Entidades assinam carta contra retorno irrestrito das aulas presenciais
O SinproSP e outras cinquenta e duas entidades subscreveram um manifesto contra o retorno irrestrito das aulas presenciais, sem limite de alunos nem respeito a orientações epidemiológicas. Trata-se de um longo documento, muito bem fundamentado, que comprova não haver condições para o aumento no numero de alunos tanto na rede pública como na privada, da educação infantil até o ensino superior.
A carta, datada de 07 de julho, será enviada ao governador João Doria e ao secretário de Educação, Rossieli Soares. Entre as entidades signatárias estão associações, grupos de pesquisa, movimentos sociais, pastorais, sindicatos, entre outros. Leia a seguir:
Não ao retorno de atividades presenciais sem limite do número de alunos nas escolas, nas instituições de ensino superior e nas creches públicas e privadas do estado de São Paulo!
Carta ao Governador João Dória e ao Secretário Estadual de Educação Rossieli Soares
Nós, educadoras e educadores de diferentes associações, sindicatos, coletivos, fóruns, frentes, grupos de pesquisa de universidades, pastorais sociais, organizações não-governamentais e movimentos sociais reafirmamos ao Governador João Dória e ao Secretário Estadual de Educação Rossieli Soares que não há condições para um aumento da proporção de alunas(os) nas atividades presenciais nas escolas, nas universidades e nas creches públicas e privadas do estado de São Paulo a partir de agosto e durante o período em que ainda estivermos em um quadro grave da pandemia de Covid 19, com altas taxas de transmissão, novas variantes e muitos casos de adoecimento e mesmo de mortes em nossas escolas e universidades.
Estudos recentes, em especial os Boletins do Observatório Covid 19 da Fundação Fiocruz de 30 de junho[1] e de 9 de junho[2], apontam que o cenário atual da pandemia ainda é de alto risco, demandando uma série de medidas de enfrentamento também pelos estados e municípios até que a maior parte da população no país esteja vacinada. A situação ainda é de um elevado nível de transmissão do vírus, apesar de pequenas oscilações, com alto número de casos e queda no número de óbitos. Quanto à ocupação dos leitos, a tendência foi de melhora nas taxas de ocupação de leitos de UTI Covid-19 para adultos no Sistema Único de Saúde (SUS): apenas três estados apresentam taxas de ocupação de leitos iguais ou superiores a 90% (Tocantins, Paraná e Santa Catarina); outros quinze estados, estão na zona de alerta intermediário, com índices variando entre 60% e 80% - São Paulo permanece na faixa dos 80%; fora da zona de alerta, estão apenas Rondônia, Acre, Amapá e Paraíba, com ocupação de leitos de UTI inferior a 60%.
Desde o mês de abril, a curva de óbitos iniciou uma trajetória descendente, mas que diverge do padrão observado nos índices de transmissão, em alta desde fevereiro. O país então passou a registrar cerca de 2 mil mortes diárias, valor ainda muito alto, o que não permite afirmar que haja qualquer controle da pandemia no Brasil, como também no estado de São Paulo. Ao mesmo tempo, as(os) pesquisadoras(es) apontam o impacto de casos graves de Covid 19 sobre todo o sistema de saúde e sobre a sociedade brasileira como um todo.
Já no fim de março, a análise dos dados pela Fundação Fiocruz[3] apontava o deslocamento da pandemia para faixas etárias mais jovens, de 50 a 59 anos, 40 a 49 anos e 30 a 39 anos. Diante desse cenário, desde então especialistas defendem a adoção de medidas urgentes, com a contenção das taxas de transmissão e de crescimento de casos através de medidas de bloqueio ou lockdown, acompanhadas de respostas na ampliação da oferta de leitos com qualidade e segurança e a prevenção do desabastecimento de medicamentos e de insumos, e medidas de mitigação, com o objetivo reduzir a velocidade da propagação. Estas medidas devem ser combinadas em diferentes momentos e a depender da evolução da pandemia no país até que se tenha 70% da população vacinada.
O aumento da proporção de alunas(os) nas escolas, nas universidades e nas creches deve ocorrer apenas quando os dados demonstrarem que há condições para tanto e deve ser gradativo. Como seguem afirmando centenas de profissionais de saúde e pesquisadoras(es) da Fundação Fiocruz, do Instituto Butantan, do Observatório Covid 19, do Observatório Covid 19 BR e de instituições de pesquisa de diferentes áreas de conhecimento, as atividades presenciais nas escolas e nas universidades brasileiras não poderiam ter sido retomadas no momento e da forma como ocorreu, pois ainda não há condições efetivamente seguras em relação à pandemia em todo o país e a vacinação tem avançado muito lentamente. Mesmo no estado de São Paulo, onde têm sido significativos os esforços governamentais pela vacinação, muitas(os) profissionais de educação não estão imunizadas(os), já que grande parte recebeu a primeira dose em meados de junho e, quanto à população em geral, ainda estão sendo vacinadas pessoas na faixa dos 40 anos de idade.
Em levantamento de 13 de fevereiro, tínhamos 741 casos de contágio entre alunas(os) e profissionais de educação nas escolas públicas e privadas do estado de São Paulo; em 8 de março, 4084 casos, com a morte de 21 pessoas, segundo os dados divulgados por Seduc sobre as escolas estaduais, privadas e municipais - com exceção da rede municipal de São Paulo, que contabiliza os casos em um sistema próprio. Levantamento da Apeoesp em 8 de março já mostrava o quadro de 2150 casos na rede estadual, em 981 escolas e o levantamento em 30 de junho mostrava 2715 casos, em 1194 escolas, com 103 óbitos. A situação teria sido ainda mais grave não fossem as importantes greves pela vida das(os) profissionais da educação da rede municipal, estadual e privada em São Paulo.
Como apresentado no Boletim Epidemiológico 02 de Seduc[4], o mais atualizado e disponível para consulta pública, foram registradas 28.064 notificações no Sistema de Informação e Monitoramento da Educação (SIMED) no período de 03 de janeiro a 01 de maio de 2021. Do total de notificações, 20.798 (74%) registros são provenientes de escolas da rede estadual de ensino. Segundo os critérios de classificação de casos, 20% (5.651) dos registros possuem informações sobre teste RT-PCR e resultado, sendo classificados como provável caso de COVID-19. Do total de casos prováveis, 44% (1.623) estão concentrados em 15 municípios da Grande São Paulo e outros 56% (2.087) em 344 municípios do interior do estado. A razão de casos por município é de 108 casos por município da Grande SP e 6 casos por município do interior. A razão por escola é similar na Grande SP, 2 (1.623 casos / 748 escolas) casos para cada escola notificante na Grande SP e 2 (2.087 casos / 1.037 escolas) no interior do estado de São Paulo. Neste Boletim Epidemiológico, afirma-se não ter havido possibilidade de análise dos dados relativos aos óbitos.
Um estudo publicado pelo Dieese em junho[5] constatou o aumento de 153% nos contratos de trabalho encerrados por morte de profissionais da educação nas escolas e nas instituições de ensino superior privadas do estado de São Paulo entre janeiro e abril de 2021. Foram 531 desligamentos neste período, enquanto haviam sido 210 no mesmo período no ano passado.
Nesse quadro, é temerário propor o aumento repentino da proporção de estudantes nas escolas, nas universidades e nas creches, sem correlação efetiva com uma redução significativa das taxas de contágio e de óbitos, uma ampliação da capacidade de testagem e uma maior redução da ocupação de leitos hospitalares no estado de São Paulo.
Além disso, com as pesquisas apontando os aerossóis como a principal forma de contágio pelo coronavírus, a proposta de redução do distanciamento entre as(os) alunas(os) nas salas de aula e nos demais espaços escolares para apenas 1 metro não é adequada. Assim como a necessidade de se manter o distanciamento de 1,5m a 2m apontado pelas(os) pesquisadoras(es), retomamos que muitas escolas paulistas não têm condições de infraestrutura e sanitárias adequadas: 82% das escolas estaduais de São Paulo não têm mais de dois sanitários para uso das(os) estudantes, não há ventilação suficiente e também não há áreas externas; não foram feitas reformas; as máscaras, os equipamentos de proteção individual (EPIs), materiais de limpeza e de higiene não chegaram a muitas escolas e 99% das escolas não tem enfermaria ou ambulatório médico[6].
Para que seja considerado um retorno às atividades presenciais, também é condição garantir o número de alunos adequado por turma e o distanciamento necessário. Para isso, 93,4% das turmas precisam ser adequadas para a situação da Covid 19 e 62,5% ainda devem ser adequadas para atender às condições apontadas há mais de uma década pelo CAQi (Custo Aluno Qualidade Inicial)[7], elaborado pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação.
Retomamos novamente os indicadores da Fundação Fiocruz que definem as condições para o retorno das atividades presenciais nas escolas[8], a partir do que é apontado pela OMS:
1. Redução da transmissão comunitária: < 100 casos novos por dia por 100.000 habitantes, nos últimos 14 dias.
2. Taxa de contágio - valor de R < 1 (ideal 0,5) por um período de pelo menos 7 dias.
3. Disponibilidade de leitos clínicos e leitos de UTI, na faixa de 25% livres. (Faixa verde – Conass/Conasems[9])
4. Previsão de esgotamento de leitos de UTI superior a 57 dias (Faixa verde – Conass/Conasems).
5. Redução de 20% ou mais em número de óbitos e casos de Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) comparando à Semana Epidemiológica (SE) finalizada, em relação a duas semanas anteriores (Faixa verde – Conass/Conasems).
6. Taxa de positividade para Covid19 inferior a 5% – número de positivos/número de amostras para Sars-Cov-2 que foram realizadas na SE.
7. Capacidade para detectar, testar (RT-PCR), isolar e monitorar pacientes/contactantes. Diagnosticar pelo menos 80% dos casos no município ou no território.
As taxas de contágio seguem muito altas em diversos municípios do estado de São Paulo, assim como estão na faixa de alerta as taxas de ocupação dos leitos de UTI e segue insuficiente a capacidade para detecção, testagem, isolamento e monitoramento dos casos no estado de São Paulo, entre outras situações graves. Não atingimos os indicadores apontados pela Fiocruz e infelizmente estamos longe de conter a pandemia.
Todas(os) buscamos que sejam mínimos os prejuízos aos processos de construção de conhecimentos por educandas(os) e educadoras(es) durante a pandemia na Educação Infantil, no Ensino Fundamental, no Ensino Médio, na Educação de Jovens e Adultos e no Ensino Superior, com a garantia de condições adequadas para o ensino remoto. Por isso, destacamos a necessidade de meios de efetivo acesso às tecnologias de comunicação virtual, à internet, a livros e a materiais impressos para as crianças, adolescentes, jovens e adultos das redes municipais, estadual e privada e universidades em São Paulo, além do acesso das(os) próprias(os) educadoras(es) às tecnologias de comunicação virtual.
As prioridades serão sempre a vida e a saúde das(os) educandas(os) e educadoras(es). As atividades presenciais nas instituições de educação básica e de ensino superior só devem ser retomadas em sua totalidade quando a pandemia estiver efetivamente controlada e tivermos ampla vacinação.
São Paulo, 7 de julho de 2021
ASSINAM ESTA CARTA:
Associação Brasileira de Juristas pela Democracia – Núcleo São Paulo (ABJD-SP)
Associação de Docentes da Universidade Estadual de Campinas (Adunicamp)
Associação de Moradores do Jardim Casa Branca e Adjacências
Associação Fórum Mogiano LGBT de Mogi das Cruzes
Associação Povo em Ação
Associação Projeto Integrados de Desenvolvimento Sustentável (PIDS)
Brigada pela Vida
Campanha Nacional pelo Direito à Educação
Centro de Psicologia Aplicada ao Trabalho (CPAT) - Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (IPUSP)
Centro Pró-Moradia Suzanense (CEMOS)
Centro Santo Dias de Direitos Humanos da Arquidiocese de São Paulo
Coletivo de Mulheres e Gênero Impacto Feminista
Coletivo de Negras e Negros de Taboão da Serra e Região (CNNTS)
Coletivo de Representantes dos Povos Tradicionais de Terreiro das Sete Cidades ABCDMRR
Coletivo ENFRENTE
Coletivo Intersetorial São Paulo
Coletivo Paulo Freire
Comunidade Cidadã
Conselho de Leigos da Arquidiocese de São Paulo (CLASP)
Conselho Nacional do Laicato Brasileiro (CNLB) da Diocese de Campo Limpo
Cooperativa Habitacional do Brasil (Coohabras)
Educafro
Escola de Cidadania da Zona Oeste - Butantã
Escola de Cidadania José de Souza Cândido da Diocese de Mogi das Cruzes
Escola Fé e Política Waldemar Rossi
Federação Nacional das Psicólogas e Psicólogos
Fórum das Pastorais Sociais da Região Episcopal 1 da Diocese de Campo Limpo
Fórum de Sustentabilidade do Butantã
Fórum dos Direitos da Criança e do Adolescente do Butantã (Foca – Butantã)
Fórum dos Direitos Humanos da Criança e do Adolescente da Freguesia do Ó e Brasilândia
Fórum de Assistência Social da Cidade de São Paulo (FAS-SP)
Fórum em Defesa da Vida do Jardim Ângela
Fórum Livre de Combate ao Racismo de São Bernardo do Campo
Fórum Municipal MOVA-SP
Fórum Popular de Saúde da Zona Leste
Fórum Popular de Saúde do Campo Limpo
Frente Democrática de Ermelino Matarazzo
Frente de Evangélicos pelo Estado de Direito
Frente de Saúde pela Vacinação Pública
Frente Feminista de Esquerda do Alto Tietê
Grupo de Pesquisa Direitos Humanos, Centralidade do Trabalho e Marxismo (DHCTEM- USP)
Ilẹ Àṣẹ Olú Àiyé Àti Ìyá Omi
Laboratório de Ensino e Material Didático (LEMADI) – Departamento de Geografia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH-USP)
Laboratório de Estudos do Imaginário (LABI) - Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (IPUSP)
Laboratório Psicanálise, Sociedade e Política (PSOPOL) - Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (IPUSP)
Movimento Caravana da Educação
Movimento Fé e Política do Grande ABC Paulista
Núcleo Perseu Abramo de Jornalismo – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP)
Núcleo Transexuais, Transgeneres e Travestis Mogiano
Pastoral da Educação do Regional Sul 1 da CNBB
Pastoral Fé e Política da Arquidiocese de São Paulo
Pastoral Fé e Política da Diocese de Campo Limpo
Pastoral Fé e Política do Regional Sul 1 da CNBB
Pastoral Operária da Diocese de Campo Limpo
Pólis Instituto de Estudos, Formação e Assessoria em Políticas Sociais
Polo Social Cívico Brasilândia
Rede Amarrações: políticas públicas com jovens
Rede Emancipa
Rede Nacional de Médicas e Médicos Populares
Serviço de Psicologia Escolar (SePE) - Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (IPUSP)
Sindicato dos Médicos de São Paulo (SIMESP)
Sindicato dos Professores de São Paulo (Sinpro-SP)
Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp)
Sindicato dos Psicólogos de São Paulo (SinPsi-SP)
Sociedade Santos Mártires
Uneafro Brasil
Notas:
[1]https://portal.fiocruz.br/sites/portal.fiocruz.br/files/documentos/boletim_covid_2021_extraordinario_30dejunho.pdf
[2]https://portal.fiocruz.br/sites/portal.fiocruz.br/files/documentos/boletim_covid_extraordinario_junho09_2021.pdf
[3]https://portal.fiocruz.br/noticia/observatorio-covid-19-fiocruz-alerta-para-rejuvenescimento-da-pandemia-no-brasil
[4]https://www.educacao.sp.gov.br/wp-content/uploads/2021/05/Boletim-Epidemiolo%cc%81gio_02.pdf
[5] Boletim Emprego em Pauta do DIEESE, junho de 2021, disponível em: https://www.dieese.org.br/boletimempregoempauta/2021/boletimEmpregoemPauta21.pdf
https://www.sinprosp.org.br/noticias/4441
[6] Manual Técnico para escolas saudáveis, estudo realizado pelo Instituto dos Arquitetos do Brasil – Departamento de São Paulo, em conjunto com o Dieese e a Apeoesp, disponível em: https://www.iabsp.org.br/manual-tecnico-para-escolas-saudaveis
[7] Idem, resumo disponível em https://www.iabsp.org.br/infográfico_covid19.pdf
[8]https://portal.fiocruz.br/sites/portal.fiocruz.br/files/documentos/contribuicoes_para_o_retorno_escolar_-_08.09_4_1.pdf
[9] Conselho Nacional de Secretários de Saúde (CONASS) e Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (CONASEMS).