A morte das férias
Luiz Antonio Barbagli*
O direito às férias no Brasil completaria 95 anos em dezembro de 2020. Um decreto de 1925 assinado pelo presidente Arthur Bernardes, ainda como efeito das greves operárias de 1917, garantiu descanso remunerado de 15 dias corridos aos empregados do comércio, da indústria e dos bancos.
Em 1943, com a CLT, o direito foi estendido aos trabalhadores rurais (em 1972, também aos empregados domésticos). Em 1949, as férias foram ampliadas para vinte dias e, em 1977, trinta dias. Em 1988, elas se transformaram em direito constitucional.
O ano de 2020 está sendo marcado pela morte do direito às férias. Assinada na calada da noite de domingo, a medida provisória 927 criou uma nova modalidade para ser adotada durante o “estado de calamidade pública”.
Na prática, os dias de afastamento decorrente da quarentena poderão ser considerados como “férias”, basta que o patrão avise com 48 horas de antecedência. Acaba o pagamento antecipado: os trabalhadores vão receber as férias no quinto dia útil do mês subsequente e o adicional de 1/3, junto com o 13º Salário, no final do ano.
Em bom português, o trabalhador vai pagar com as suas férias os dias em que foi forçado a permanecer em casa, por uma questão de saúde pública. Ele não vai descansar, não poderá deslocar-se e nem terá dinheiro para isso.
Nas escolas, a situação é ainda mais grave, pois o impacto da antecipação de férias recairá não somente sobre os professores, mas também sobre os alunos e a qualidade do ensino.
O Sieeesp, sindicato patronal de São Paulo, orientou as escolas a concederem férias coletivas aos professores entre os dias 1º e 30 de abril. Uma decisão precipitada e irresponsável, que desorganiza o processo de aprendizagem, o planejamento pedagógico e também a vida familiar, já que ninguém poderia prever férias no mês de abril.
Do ponto de vista pedagógico, as férias interrompem, abruptamente, um trabalho que foi planejado detalhadamente para se desenvolver ao longo de meses e que não pode ser retomado depois, como se não tivesse acontecido nada. Para os alunos, significa largá-los, de uma hora pra outra e por um mês, sem atividade acadêmica dirigida.
E quando as aulas voltarem? Alunos e professores estarão desgastados pelo custo que o distanciamento social impõe e ainda terão que enfrentar um período letivo prolongado, com aulas contínuas por oito ou mais meses para repor as atividades que a escola deixou de oferecer.
Do ponto de vista trabalhista e de saúde, a concessão unilateral de férias para os professores é de uma violência ímpar. A escola nega a seus professores o direito ao descanso e à preservação da saúde mental e física.
É preciso considerar também que muitos professores lecionam em mais de uma escola. Nessa situação de excepcionalidade, sugerir que cada instituição defina o calendário fará com que muitos professores tenham que trabalhar ininterruptamente por bem mais de um ano.
Não é o coronavirus, nem a Covid-19 que está matando o direito ao descanso e à saúde dos trabalhadores. É, isso sim, a ação deliberada do governo Bolsonaro, do Sieeesp e de escolas que não têm nenhum compromisso, a não ser com elas mesmas.
*Luiz Antonio Barblagi é presidente do Sindicato dos Professores de São Paulo