Direitos

Seminário em SP discutiu as reformas trabalhistas no Brasil e no mundo

Atualizada em 28/11/2019 01:38


As mudanças no mundo do trabalho decorrentes das mudanças tecnológicas exigem maior proteção para os trabalhadores e não a redução de seus direitos. Essa foi a opinião unânime dos especialistas reunidos no Seminário Internacional O Futuro do Trabalho, realizado pelo Instituto Lavoro nos dias 21 e 22 de novembro, em São Paulo. O SinproSP participou do evento.

Ao longo de dois dias, convidados brasileiros e estrangeiros mostraram como a legislação trabalhista tem sido colocada na berlinda no Brasil e também em países com instituições democráticas mais consolidadas, como França, Itália, Canadá e Estados Unidos.

Para os especialistas, existe um discurso hegemônico de que o Direito do Trabalho tornou-se anacrônico diante das intensas mudanças no mundo do trabalho e que o excesso de regulação e proteção dificulta o desenvolvimento econômico e das forças de mercado. Estas ideias orientaram mudanças na legislação trabalhista em muitos países.

Em comum, todas as experiências de reformas se basearam em três eixos: a) surgimento de novas formas de contratação, mais precárias, coexistindo com a contratação clássica, mais regulada e protegida; b) enfraquecimento da Justiça do Trabalho, com medidas que reduzem o poder dos juízes e restringem as ações, e c) mudança na hierarquia das leis, privilegiando o acordo individual ou por empresa em detrimento das convenções coletivas e da legislação trabalhista.

Segundo a professora Tatiana Sachs (Universidade Paris Nanterre), a reforma trabalhista na França, assim como na Itália, fez o acordo por local de trabalho, mesmo quando menos favorável, prevalecer sobre as leis ou convenções coletivas por setor de atividade. Isso reduziu a proteção dos trabalhadores e mudou o caráter do Direito do Trabalho, que deixou de ser um instrumento de proteção dos trabalhadores e regulação das relações nas empresas. “O Direito do Trabalho transformou-se em Direito do Mercado de Trabalho”, afirmou a professora. “No lugar de proteger os trabalhadores , o Direito passou a organizar a fluidez do mercado do trabalho, ou seja, a circulação dos trabalhadores de uma empresa para outra”, o que exigiu a redução de direitos, como maior facilidade na demissão.

Para o professor Cyrill Wolmark, também da Paris Nanterre, qualquer comparação entre a França e o Brasil deve ser vista com cuidado. “A França é um caso específico, porque 90% dos trabalhadores são assalariados, com relação de trabalho mais protegida, diferentemente do que ocorre no Brasil, onde a informalidade é muito alta”. Ainda assim, Wolmark citou problemas sérios na França, como a redução de direitos trabalhistas, a financeirização da economia e o assédio moral, cada vez mais frequentes nas empresas. “São questões que não podem permanecer nas mãos do empregador e na liberdade de empreender”, defendeu o professor.

Antigas e novas formas de organização do trabalho coexistem

Para o professor de Direito Constitucional Cássio Casagrande, prevalece hoje a ideia de que o Direito do Trabalho nasceu e ainda reflete a economia fabril e por isso é incompatível às transformações tecnológicas da Revolução 4.0, na era dos serviços (pós-industrial), que demandaria maior flexibilidade na contratação e na gestão da força do trabalho.

A economia industrial do século XX introduziu o fordismo, com a divisão do trabalho e a execução de movimentos repetitivos em longas jornadas de trabalho no movimento repetitivo e, o toyotismo, com o just in time e a produção descentralizada e terceirizada. ]

Agora, no século XXI, fala-se de uma nova forma de organização da força de trabalho: o “uberismo”, um modelo de terceirização exacerbada no qual a empresa principal administra a prestação de serviços e não mais o trabalhador, transformado agora num microempresário.

Entretanto, Casagrande defende que uma nova forma de organização do trabalho não exclui as antigas. Elas continuam coexistindo, muitas vezes no mesmo local de trabalho. “O capitalismo ainda necessita de todas essas formas para funcionar”, afirmou o professor. “O taylorismo não está ultrapassado e se expandiu para outros setores da economia, como nos serviços. Basta ver o McDonalds”, completou.

Nos Estados Unidos, a grande massa de trabalhadores ainda trabalha sob controle, com subordinação e jornada fixa, afirma o professor. “As empresas de tecnologia, inclusive, usam formas mistas de trabalho”, completou.”A Amazon é um exemplo – ela adota todas as formas de organização laboral."

Os trabalhadores dos centros de logísticas da Amazon atuam no sistema taylorista, com trabalhos repetitivos nas esteiras. A empresa usa a tecnologia para aumentar o controle sobre os seus empregados. Segundo Casagrande, eles têm chips em seus uniformes que controlam tudo o que ocorre durante a jornada: o que ele realizou, quantas vezes foi ao banheiro etc. "É a mesma coisa que ocorria nas fábricas do começo do século XX, mas sem a presença física do gestor". Afinal, pergunta o professor, é esse o trabalhador que não precisa mais da proteção da legislação trabalhista?

"O uso de tecnologias para controlar o trabalhador levou a uma intensificação do trabalho e aumento da jornada. Isso faz do Direito do Trabalho mais necessário do que nunca, mas contemporâneo do que nunca. É urgente a proteção dos trabalhadores", completou Casagrande.

 

 

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