Na reforma da Previdência, a imprensa briga contra os números e a realidade
Ao encerrar a votação em primeiro turno da reforma da Previdência, dia 1º de outubro, o plenário do Senado derrubou um trecho da Proposta de Emenda à Constituição (PEC 06) que restringia o pagamento do abono anual do PIS. O governo pretendia limitar o abono de um salário mínimo apenas aos trabalhadores que recebessem até R$ 1.364,43 e não mais dois salários mínimos, como está garantido hoje na Constituição Federal. Se a mudança for confirmada no segundo turno, o abono anual continuará a ser pago para quem recebe R$ 1.996,00 (2019).
O Programa de Integração Social (PIS) nem deveria ter entrado na reforma da Previdência, já que não tem nenhuma relação com aposentadoria. Afinal, os recursos do PIS destinam-se ao pagamento do seguro-desemprego e do abono salarial (60%) e para financiar obras de infraestrutura (40%).
Se a proposta do governo tivesse sido mantida, 12,7 milhões de trabalhadores deixariam de receber o abono anual de um salário mínimo, o que representa a exclusão de 54% dos atuais beneficiários. Esse percentual pode chegar a 72% nos estados onde há salário mínimo regional, mais elevado do que o nacional Em São Paulo, por exemplo, 70% dos atuais 4 milhões que recebem o abono perderiam o direito.
Infelizmente, isso parece ser irrelevante para a imprensa. Ao noticiar o resultado da votação, as manchetes só tiveram olhos para os hipotéticos R$ 76 bilhões que deixariam de ser “economizados” nos próximos dez anos.
Vamos aos fatos. Em primeiro lugar, esses recursos estão sendo tirados dos trabalhadores e não da “reforma da Previdência”. Em segundo lugar, ninguém pode assegurar a veracidade dos valores. Os dados ficaram sob suspeição desde que, em abril, o governo decretou sigilo sobre pareceres técnicos e estudos usados para justificar a reforma da Previdência.
Essa história só serve mesmo para demonstrar duas evidências. A primeira delas é que, na reforma da Previdência, boa parte da imprensa decidiu abrir mão do seu papel de informar.
A segunda evidência é ainda mais grave: a tunga do PIS confirma que o objetivo da reforma previdenciária não é a necessária adequação das aposentadorias às mudanças econômicas e demográficas da sociedade. Trata-se, no fundo, de uma reforma fiscal amarga, cuja fatura será paga pelos trabalhadores.
O que é o PIS
Criado em 1970, o Programa de Integração Social (PIS) é uma contribuição social depositada pelas empresas privadas que, na origem, deveria ser repassada aos trabalhadores da iniciativa privada, regidos pela CLT. Desde 1974, 40% dos recursos do PIS servem para financiar obras de infraestrutura. Até 1988, cada trabalhador cadastrado no PIS era dono de uma parte deste fundo. Os valores eram depositados em contas individuais para cada empregado, que poderiam ser sacados na hora da aposentadoria, exceto os rendimentos que poderiam ser sacados todos os anos. Essa modalidade acabou com a Constituição de 1988.
Desde então, o PIS transformou-se num fundo único, 60% dele destinados ao abono salarial e seguro-desemprego. O abono é pago anualmente aos trabalhadores registrados pela CLT que recebem até dois salários mínimos. O valor é de um salário mínimo, na razão de 1/12 para cada mês trabalhado no ano anterior.
Os recursos restantes do PIS (40%) são direcionados para o BNDES para financiar obras de infraestrutura. A PEC 06 prevê a redução deste percentual para 28%. Segundo a Fiesp, essa redução deve cortar 8 milhões de vagas em dez anos.