Governo quer acabar com multa de 40% ao aposentado que for demitido
A "nova" proposta de reforma previdenciária do governo Temer aplica mais um golpe para os trabalhadores e dá um presente para os empresários: acaba com a multa de 40% do FGTS na demissão dos trabalhadores que se aposentaram e continuaram a trabalhar. O empregado sai com uma mão na frente e outra atrás, simples assim.
Um exemplo: uma pessoa trabalhou por 30 anos numa empresa, aposentou-se e continuou a trabalhar por mais cinco anos. Se a empresa decidir demiti-lo, ele não recebe nenhum centavo da multa indenizatória garantida pela Constituição.
A mudança está no artigo 10 das Disposições Transitórias:
Art. 10 ...........................................................................
§ 4º Até que seja publicada a lei complementar a que se refere o inciso I do art. 7º da Constituição, o vínculo empregatício mantido no momento da concessão de aposentadoria voluntária não ensejará o pagamento da indenização compensatória prevista no inciso I. (NR)
A falta de caráter do bando que se instalou no Palácio do Planalto ultrapassou todos os limites. O governo está torrando dinheiro público numa publicidade mentirosa, que esconde da sociedade o verdadeiro teor da reforma. Faça o teste: preste atenção nas propagandas que “explicam” a reforma. Em algum momento você é informado que ela reduz direitos trabalhistas, que nada têm a ver com o sistema previdenciário?
Infelizmente, o fim da indenização não é a única coisa que o governo está escondendo. A publicidade diz que a reforma reduzirá as desigualdades, mas omite que ela diminuirá o valor da pensão por morte e da aposentadoria por idade, dois benefícios de enorme importância à população de menor renda.
A propaganda enganosa também não avisa que a proposta vai reduzir linearmente todos os benefícios que vierem a ser concedidos depois da reforma, por conta de uma mudança no cálculo. Nem conta também que o aumento do tempo de contribuição, conjugado à reforma trabalhista recém aprovada, inviabilizará o acesso à aposentadoria por grande parte da população.
E afinal, que interesse teria a Confederação Nacional das Indústrias, Sesi, Senai e companhia em bancar uma campanha milionária para veicular propaganda da reforma? O fim da multa por demissão sem justa causa pode explicar tanto interesse.
Foi golpe mesmo
O roubo na indenização foi colocado no texto da reforma previdenciária de maneira furtiva, a boca pequena, pelo deputado Arthur Maia (PPS/BA), relator da PEC 287 na Comissão Especial da Câmara. O texto acabou aprovado em maio e aguardava votação em plenário.
Cioso de adular o mercado financeiro, o governo aprovar a PEC 287 de qualquer jeito. Passou a defender uma terceira proposta, que incorporou o fim da multa de 40% aos trabalhadores aposentados. Como no relatório de Maia, é um golpe silencioso patrocinado por grandes entidades empresariais. Está então explicado por que campanha milionária da Confederação Nacional das Indústrias e Sistema S a favor da aprovação da reforma.
Até o momento, Temer não tem os 308 votos necessários para aprovar a PEC 287 na Câmara. Espera-se que não tenha. O importante, neste momento, é denunciar as mentiras e os golpes praticados por um governo que não tem legitimidade nem moral para propor mudanças que afetam a vida dos trabalhadores.
Uma luta de mais de 50 anos está ameaçada
O pagamento da multa indenizatória – hoje de 40% - envolve uma luta de mais de mais de 50 anos, diretamente ligada à proteção legal contra a demissão. Essa batalha data de 1966, quando o FGTS substituiu a o regime de estabilidade.
Beneficiados pela liberdade recém-adquirida de demitir, os patrões agora estavam interessados em reduzir os custos da demissão.Apenas dois meses depois da criação do FGTS (L. 5170), um decreto –lei condicionava a aposentadoria ao rompimento do vínculo empregatício.
O desligamento obrigatório era uma exigência meramente formal. Em muitos casos, no dia seguinte o vínculo era restabelecido. Se o empregado fosse despedido, a CLT – artigo 453 - garantia que ele fosse indenizado por todo o tempo trabalhado.
Para que os empregadores pudessem fugir da indenização sobre todo o período, era preciso mudar também a CLT. Em 1975, o artigo 453 foi alterado,beneficiando os empregadores. Pela nova regra, o trabalhador aposentado que voltasse ao trabalho, se demitido, seria indenizado apenas pelo tempo posterior ao benefício.
Em 1980, nova reviravolta a favor dos trabalhadores (L. 6.887) e, apenas nove meses depois, a contrarreação do empresariado.
Em 1988, porém, a multa indenizatória – agora de 40% sobre os depósitos do FGTS – tornou-se um direito constitucional. No ambiente de regulamentação das conquistas da Constituição, foi promulgada em 1991 a nova legislação previdenciária (L. 8213), que autorizava ao trabalhador aposentar-se sem o rompimento do vínculo empregatício. Se demitido, valia a Constituição: multa de 40% sobre todos os depósitos.
Entre 1991 e 2006, o loby empresarial atuou como nunca para reverter a mudança. Um projeto de lei e edições sucessivas de medidas provisórias em 1993 (MP 381, arquivada pelo Congresso) e entre 1996 e 1997 (MP 1523, convertida na Lei 9.528).
Neste momento, a questão deslocou-se para o Supremo Tribunal Federal. Se a multa de 40% na demissão sem justa causa era um direito constitucional, nenhuma lei ordinária poderia restringi-la .
Em 2006, finalmente, a ADIN 1721-3 foi julgada a favor dos trabalhadores. Eis que agora, o fantasma ressurge de maneira inesperada, agravada pela tentativa de incorporar a restrição ao texto constitucional. Em que mundo nós estamos?