Ministério Público confronta Lojas Riachuelo e lei da terceirização
A empresa Guararapes Confecções, mais conhecida como Lojas Riachuelo é alvo de uma ação civil pública movida pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) do Rio Grande do Norte. Ela é acusada de superexploração das empresas terceirizadas e, consequentemente, dos trabalhadores que nelas trabalham.
A lei da terceirização (L. 13.429/2017) deve a sua existência a empresas como a Riachuelo. Ela foi aprovada como uma tentativa de legalizar práticas abusivas como esta que é objeto do processo.
Mas é possível que essa lei não tenha garantido a tão desejada liberdade de exploração de mão de obra, a julgar pela reação explosiva do presidente do grupo, Flávio Rocha. Nas redes sociais, ele acusou a procuradora Neiva Mousinho de perseguição, ameaçou transferir as atividades para outro estado e ainda responsabilizou o MPT pelo desemprego que essa decisão causaria. Com este discurso e o apoio do Movimento Brasil Livre (MBL) patrocinou protestos de trabalhadores contra o Ministério Público. E concluiu sua ofensiva como entrevistado no programa Roda Viva, da TV Cultura, dia 25/09.
Relação fraudulenta
Na ação civil, a empresa é acusada de superexplorar o trabalho terceirizado e escamotear uma relação de trabalho, para se livrar dos custos e responsabilidades inerentes à exploração da mão de obra. Ela mantém “sob seu domínio operacional e econômico as empresas subcontratadas, inclusive quanto ao emprego e ao preço da mão de obra utilizada, ao passo que remete para essas empresas o risco da atividade econômica (...) evadindo-se da responsabilidade legal decorrente do emprego dessa intensa força de trabalho”.
Por isso, a ação pede o reconhecimento do vínculo empregatício dos terceirizados ou ao menos a responsabilização da Guararapes em caso de descumprimento dos direitos trabalhistas. Requer também uma indenização por danos morais coletivos de R$ 37,7 milhões.
Demissão e terceirização
Em 2013, beneficiada por um programa do governo potiguar (Pró-sertão), a Guararapes demitiu trabalhadores e transferiu parte da cadeia produtiva para oficinas de costura espalhadas em cidades do Sertão do Seridó, no semiárido do Rio Grande do Norte. O Pró-Sertão foi sugerido pelo próprio Flávio Rocha e instituído pelo então secretário Rogério Marinho, atual deputado federal e relator da reforma trabalhista na Câmara.
A transferência não foi apenas um deslocamento geográfico, mas uma mudança na forma de produção. As oficinas são microempresas constituídas, responsáveis pela compra de maquinários e a contratação de costureiros. Recebem o nome de “empresas de facção” porque cada uma delas realiza apenas uma parte da produção – em geral, costura ou acabamento.
Como elas não dominam todo o processo produtivo, são totalmente dependentes da contratante. Segundo o MTP, a Guararapes define como e em que máquinas as peças devem ser produzidas, o prazo para sua execução, inclusive com metas diárias de produção. Envia funcionários para explicar, orientar e supervisionar o trabalho e auditores para conferir a conclusão do trabalho. “Para cada modelo de peça a ser costurado pelas facções, a Ré encaminha a indicação do tempo cronometrado para sua execução, fixado unilateralmente o preço da unidade costurada conforme o tempo projetado (...) a Ré remunerava a costura de calças e bermudas no valor de R$ 0,30 o minuto”.
A empresa detém o controle da cadeia produtiva e também do trabalho dos costureiros. Para o Ministério Público, os empregados estão sob o comando da Guararapes, embora não sejam registrados por ela e tenham salários e direitos reduzidos em relação aos empregados contratados diretamente.
Isso, segundo o MPT, é uma deturpação da terceirização, aqui adotada somente para reduzir os custos do trabalho e precarizar as condições dos empregados.
O MTP também acusa a Guararapes de impor condições tão duras que inviabilizaram a continuidade das atividades. Na ação, são relatados casos em que as oficinas acabaram tendo que fechar as portas porque tiveram as encomendas suspensas ou reduzidas.
A importância da ação
A ação civil pública foi ajuizada em maio, quando a lei da terceirização já estava em vigor. É, portanto, a primeira iniciativa que põe à prova os princípios basilares da nova lei, criada para legalizar formas irregulares de contratação.
Não são poucos os juristas que questionam a constitucionalidade de vários aspectos tanto da lei da terceirização (L. 13.429) como da chamada reforma trabalhista (L. 13. 467). Por isso, o Poder Judiciário será uma das frentes de resistência, mas não a única.Por ironia, o que foi criado para dar ‘segurança jurídica’ às empresas pode ter o efeito contrário. A guerra está começando.