Reforma trabalhista é canto de sereia que seduz e ameaça os incautos
Enquanto a reforma da previdência chama a atenção pela violência das mudanças propostas, uma outra reforma – a trabalhista – talvez não esteja recebendo o devido destaque.
Enviado ao Congresso em 23/12/2016 (isso mesmo, na antevéspera do Natal), o projeto de lei 6787 permite a redução de direitos previstos na legislação trabalhista por meio de acordos ou convenções coletivas (a convenção se aplica a toda uma categoria; o acordo coletivo é feito por empresa).
A proposição também disciplina a eleição de representantes dos trabalhadores no local de trabalho e modifica a lei 6.019/1974, que trata do trabalho temporário por meio de empresas de terceirização.
Numa só tacada e com o apoio do empresariado, Temer se apropria de bandeiras dos trabalhadores: a livre negociação, a organização por local de trabalho e a representação dos empregados na empresa. Isso com o apoio do empresariado.
Sinais de fumaça
A reforma trabalhista é uma ameaça real e com enorme potencial de estrago para os trabalhadores. E o governo ainda leva algumas vantagens.
Por se tratar de um projeto de lei ordinária, o PL 6787 tem tramitação simplificada e por isso pode ser votado mais rapidamente do que uma emenda constitucional ou um projeto de lei complementar. O governo tem pressa e aposta na aprovação pelo Congresso até o final do semestre.
Além disso, a proposta vem travestida de uma imagem de modernização tão perigosa quanto falsa. Aparentemente, ela estimula a organização por local de trabalho, a negociação direta entre patrões e empregados e a resolução de conflitos, o mais longe dos sindicatos possível.
Representante dos trabalhadores
O ‘estímulo à organização no local de trabalho’ vem pela eleição de representantes dos trabalhadores nas empresas com mais de 200 empregados, um direito já garantido no artigo 11 da Constituição Federal.
No projeto de lei, o representante tem mandato de dois anos e goza de estabilidade no emprego. O problema está nas suas atribuições que estão longe da ideia do empregado que encaminha reivindicações dos seus colegas ou discute demandas pontuais do dia a dia.
No projeto de lei, o representante tem “o dever de atuar na conciliação de conflitos trabalhistas no âmbito da empresa, inclusive quanto ao pagamento de verbas trabalhistas, no curso do contrato de trabalho, ou de verbas rescisórias”.
Ora, se ele é um representante dos trabalhadores, não pode “atuar na conciliação de conflitos trabalhistas entre os seus colegas ( e ele mesmo) e o seu patrão!
Imagine, então, se a empresa demite um trabalhador e condiciona o pagamento das verbas rescisórias à quitação de dívidas anteriores por acordo dentro da empresa sem a presença do sindicato e de um advogado, mas avalizado pela presença de um ‘representante dos trabalhadores’.
É evidente que esse mecanismo cria uma "alternativa" à Justiça do Trabalho, numa situação que desprotege o trabalhador e beneficia o empregador!
Prevalência do negociado sobre o legislado
Aqui, o apelo é por o que já foi mais uma reivindicação histórica dos trabalhadores: a livre negociação. É claro que a ideia sempre foi negociar para ampliar direitos e não para reduzi-los.
Mas o projeto de lei faz exatamente o contrário: prevê a possibilidade de redução ou flexibilização de onze pontos da legislação trabalhista por meio de convenções ou acordos coletivos. Entre eles: a) divisão de férias em até três vezes; b) jornada de trabalho; c) participação nos resultados; d) horas in itinere (trajeto); e) intervalo intrajornada (horário de almoço, por exemplo); f) banco de horas; g) planos de cargos e salários; h) trabalho remoto (a distância) etc.
Pela regra atual, acordos ou convenções coletivas só podem ampliar – nunca reduzir – direitos previstos em lei. O projeto de lei abriria exceção para alguns pontos. São 11, mas nada impede que a relação seja ampliada no Congresso Nacional ou até mesmo generalizada para todos os direitos.
A proposta da ‘flexibilização de direitos por negociação’ não é nova e tem sido amplamente defendida pelo empresariado. Isso por si só já seria motivo de muita desconfiança dos trabalhadores.
Além disso, de um governo que teve a ousadia de defender uma proposta como a da reforma previdenciária pode-se esperar tudo.
Projeto está sendo discutido em Comissão Especial
O PL 6787 foi enviado ao congresso na antevéspera do natal, em 23/12/2016. Em fevereiro, foi criada uma comissão especial encarregada de analisar o texto, apresentar ou acolher emendas e, se for o caso, alterar a redação e aprovar um texto substitutivo.
A proposição tramita em caráter conclusivo, ou seja, só será votada pelo plenário por requerimento dos deputados.
A bancada governista joga pesado por sua aprovação. Para se ter ideia, o relator escolhido na comissão especial é o deputado Rogério Marinho (PSDB/RN), famoso por ser o autor do projeto de lei que tipifica como crime o ′assédio ideológico′ e prevê pena de prisão ao professor acusado (PL 865/2015).