Crise no ensino superior é só desculpa!
A decisão do sindicato dos mantenedores do ensino superior de suspender unilateralmente as negociações salariais é inaceitável. A desculpa do Semesp foi a indefinição gerada pelas mudanças nas regras do Fies (Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior), que restringiram o repasse de recursos.
Mas tem uma parte da história que o sindicato patronal não conta: a boa saúde financeira do setor privado de ensino superior, turbinada, em grande parte, pelos recursos transferidos nos últimos anos sob forma do financiamento contratado pelos alunos.
Criado em 1999 como sucessor do crédito educativo, o objetivo do Fies era ampliar o acesso e a permanência de estudantes no ensino superior, oferecendo crédito para financiar a graduação. A partir de 2010, as regras foram flexibilizadas. O financiamento passou a ser contratado o ano todo e não mais num único período; a taxa de juros caiu de 6,5% para 3,5% e o prazo de amortização da dívida foi ampliado. Essas e outras alterações provocaram uma enorme expansão do programa. O desembolso em 2014 chegou a R$ 13,4 bilhões em todo o país e o acumulado, desde 2010, é de R$ 28,45bi.
No estado de São Paulo, foram 183.909 contratos no ano passado, contra 9.756 contratos em 2010. Um acréscimo de 1.785%. No total de contratos em todo o país, a participação dos alunos matriculados em IES paulistas subiu de 12,8% (2010) para 25% (2014).
Ao emprestar ao aluno, o Fies beneficiou também as instituições privadas. O programa contribuiu para a expansão do setor, segurou a evasão e fez os alunos resistirem menos aos reajustes das mensalidades. Além disso, ajudou a reduzir a inadimplência, já que se tratava de dinheiro certo, repassado, na época, pela Caixa Econômica Federal.
E é bom lembrar que o preço fixado pelos mantenedores continuaram a embutir o risco da inadimplência, ainda que o Fies tivesse se tornado uma espécie de “programa garantidor de pagamento”.
Com tantas vantagens, as mantenedoras passaram a estimular a contratação do Fies até pelos alunos pagantes, que não precisavam do financiamento. Se alguém tem dúvida, basta entrar em qualquer site de faculdade. Tem mais propaganda do Fies do que do próprio curso!
Mesmo sendo um crescimento expressivo, é preciso observar que o número de contrato do Fies representa apenas 11,3% das matrículas em IES privadas do estado de São Paulo. Se considerarmos apenas os ingressantes, esta participação aumenta, mas ainda é restrita: 26,3%. Os dados referem-se a 2013, uma vez que o Censo do ensino Superior 2014 não está pronto.
Outro aspecto relevante é que nem todas as instituições de ensino adotaram a mesma política em relação ao Fies. Grandes grupos são hoje responsáveis por abocanhar a maior parte dos recursos, como aponta uma série de reportagens assinadas por Paulo Saldaña, José Roberto de Toledo e Rodrigo Bargarelli, publicadas pelo Jornal O Estado de S. Paulo nos dia 15 e 16/2 ( Gasto com Fies cresce 13 vezes e chega a R$ 13,4 bi, mas ritmo de matrículas cai).
O grupo Uniesp, por exemplo, adotou uma política agressiva de expansão baseada na captação de recursos do Fies. Uma das instituições do grupo, a Faculdade Tijucussu, tem 99,7% dos alunos no Fies, como revelou a reportagem.
O grupo Kroton- Anhanguera recebeu no total mais de R$ 2 bilhões em 2014, “o dobro do que a Embraer (...) e a Odebrecht recebeu”, cita a matéria. Balanço do grupo divulgado em meados de março, indicou a existência, no final de 2014, de quase 259 mil alunos com contratos no Fies, um crescimento de 12% em relação ao trimestre anterior, o que representa, segundo o documento, 61% dos alunos da graduação. O mesmo balanço também acusou lucro de R$ 244 milhões no 4º trimestre. Sorte dos acionistas...
Diante de tudo isso que foi exposto, fica claro que a suspensão unilateral das negociações pelo Semesp não é razoável. A paralisação afeta toda a categoria dos professores e auxiliares, inclusive aqueles que trabalham em instituições que não sentirão tanto as medidas tomadas pelo governo (a maioria).
Entre as IES que eventualmente serão afetadas (a minoria), é preciso lembrar que elas foram beneficiadas pelo programa nos últimos quatro anos e estão capitalizadas. O balanço da Kroton é um bom exemplo.
Tampouco é razoável admitir que as negociações salariais tenham que depender de recursos públicos vindos do Fies. Se assim for, que se inverta o processo: dinheiro do Fies só depois de resolvido o reajuste dos professores e trabalhadores não docentes. Assim vai?