O fim de uma era: A primeira Guerra Mundial
Por Ailton Fernandes e Walter Alves*
Epítetos não faltam para designar a primeira guerra mundial: A guerra total, A guerra que porá fim a todas as guerras, A Grande guerra; enfim, designações para este conflito não faltam nos livros de História.
De nossa parte, preferimos a designação de Eric Hobsbawn: a primeira guerra mundial iniciou a “era da barbárie” para a humanidade. Nunca, em tão pouco tempo, matou-se tanto como no século XX. A indústria da guerra atingiu o seu apogeu com a invenção e a proliferação de uma enorme máquina de guerra. Países de todos continentes participaram da guerra, de maneira direta ou indireta.
Esta máquina de guerra teve, no conflito que neste ano faz cem anos, um excelente laboratório de testes. Lá foi usada em grande escala as armas químicas, ciência que engatinhava ainda, mas que já era usada para fins de genocídio. Tanques, submarinos, metralhadoras, aviões, um enorme contingente de soldados foram mobilizados oriundos que eram do gigantesco exército de reserva produzido pela Revolução Industrial. Todo este cenário desenhou um conflito que matou mais de 10 milhões de soldados e feriu, fisicamente ou psicologicamente, aproximadamente 25 milhões de pessoas.
Recorremos à Todorov que lamentou tratar vítimas humanas com cálculos aproximados, quando estudou a conquista da América pelos europeus; mas, infelizmente dado a amplitude da estupidez humana neste período, não nos resta alternativa senão a de apresentar números aproximados.
Os motivos da guerra foram muitos, desde a luta pelo controle dos Bálcãs pelo Império Austro-Húngaro com a Sérvia e a Rússia, até o nacionalismo exarcebado que desde sempre esteve presente nas nações européias. No entanto a causa principal do conflito foi a expansão capitalista e seu desdobramento colonialista feito pelas grandes potências européias – França, Inglaterra, Bélgica e Alemanha – nas terras da África e da Ásia.
Temos uma conjuntura demoníaca, pois não apenas os Europeus sofreram com este conflito, mas principalmente africanos e asiáticos foram e ainda são vitimas dessa política de terra arrasada que há mais de 500 anos sofrem de potências estrangeiras.
A guerra era inevitável e a morte do herdeiro do império Austro-Húngaro por nacionalistas Sérvios foi a desculpa criada para começar o conflito.
Ésquilo, dramaturgo grego, disse que a primeira vítima de qualquer guerra é a verdade. Este é um caso clássico que comprova a tese. As últimas décadas que precederam o conflito foram marcadas por uma intensa corrida armamentista voltada para a preservação e expansão dos seus respectivos impérios. Neste cenário a vida humana é o que menos importa, a cultura militarista transformava todos em potenciais heróis para a pátria, essa mentira alimentou os exércitos com contingentes de jovens nunca antes visto na história.
A ideologia dominante e absolutamente convincente criava a ideia da heroificação, de que aqueles que morressem pela pátria seriam elevados ao Panteão de Heróis que construiriam as nações. Aliada ao desemprego cada vez mais crescente nas nações europeias, a possibilidade de tornar-se herói levou milhões de jovens despreparados para a frente de batalha. Morriam como moscas, vivendo em ambientes insalubres, sem alimentação adequada e lutando com armas, na maioria das vezes, imprestáveis.
As trincheiras eram sorvedouros de vida, lá viviam, lá faziam suas necessidades, lá se alimentavam (quando tinha alimentos), lá travavam uma batalha menos heróica com os ratos que as infestavam e que disputavam a pouca comida existente.
Os motivos por essa guerra ainda existem: até hoje as potências mundiais batalham para manter suas posições e avançar. O ovo da serpente resiste...
Foi também uma guerra que não acabou. O Tratado de Versalhes, assinado ao fim dela, não apenas foi incompetente para gerar a paz como foi responsável direto pela Segunda guerra mundial. Ao humilhar o derrotado, no caso a Alemanha, os países vencedores criaram um ambiente de vingança que foi muito bem explorado pelo nazismo e por Hitler. A Alemanha foi obrigada a pagar todos os prejuízos da guerra e até hoje leva a pecha de ter sido a única culpada pelo início dela. Ora, quando uma guerra começa todos são culpados, ao jogar a responsabilidade nos ombros de apenas uma nação criam-se as condições necessárias para que este busque a vingança. Portanto, completando a frase de Ésquilo: a guerra começa e termina com mentiras.
Foi isso o que aconteceu: a Segunda Guerra Mundial é continuação da primeira. Pelos mesmos motivos e com consequências inimagináveis, levou a humanidade ao mais baixo nível e criou situações de barbárie explícita, daí o termo usado por Hobsbawn.
A grande Guerra possibilitou, entre outras situações, a ascensão dos EUA enquanto potência mundial. Ao ficar longe do conflito por quase todo o tempo, observou o enfraquecimento latente dos oponentes e ingressou nele quando as potências europeias estavam por demais debilitadas. Pouco mais de um ano depois o conflito termina com a clara vitória estadunidense. Mesmo os vencedores que eram aliados dos EUA estavam destruídos na sua economia e nos seus brios. É o começo da mudança de centro do poder mundial, da Europa para a América do Norte, com o início da decadência dos impérios coloniais europeus.
O final da guerra não conseguiu colocar fim a competição desenfreada entre as nações centrais capitalistas permitindo a eclosão da crise de 29, sendo este outro motivo determinante para a Segunda Guerra Mundial.
O mundo hoje é diferente daquele de cem anos atrás. Mudaram-se as estratégias de dominação e exploração. Permanece a ideia de império e da super exploração dos recursos naturais de vastas regiões do globo. O ser humano continua a ser um detalhe desprezível na complexa roda da economia.
*Professores de História e diretores do SINPRO-SP