Geral

Paraguai, capital Montevidéu

Atualizada em 20/03/2009 15:26

Artigo de Silvia Barbara*

Antes de mais nada, um aviso: os professores de Geografia agradecem, mas dispensam a errata distribuída pela Secretaria de Educação do Estado de São Paulo. Eles sabem onde ficam o Uruguai e o Paraguai.

A correção já foi feita em classe e até tornou a aula mais divertida, já que a falha foi motivo de piada entre os alunos. A risível troca dos nomes dos países nada tem a ver com Geografia, mas de revisão acochambrada das apostilas. Mais do que falta de conhecimento na disciplina, indica desleixo e trabalho feito às pressas, como às vezes recebemos de nossos alunos.

É importante colocar os pingos nos is para discutir com maior propriedade o que realmente importa: a adoção de apostilas na rede pública de ensino e a forma como isso tem ocorrido.

Em primeiro lugar, o modismo envolve grandes somas de dinheiro público. O governo estadual e muitas prefeituras abriram mão dos livros didáticos que eram selecionados pelos professores e entregues pelo MEC no Programa Nacional do Livro Didático. E assim criaram mais um sorvedouro de dinheiro do contribuinte.

As apostilas estaduais foram quarteirizadas. O governo estadual contratou, sem licitação, a Fundação Vanzolini que por sua vez contratou professores indicados pela Secretaria de Educação para redação do material e gráficas privadas. Reparem no passeio tortuoso do dinheiro. O montante do contrato é superior a R$ 34 milhões.

Quem tiver tempo, deve acessar a página da tal Fundação para ver que ela está longe de atuar na educação básica. Segundo o site, trata-se de uma instituição privada, criada e gerida por professores da POLI-USP e especializada em projetos de produção e educação continuada ligados à “ Engenharia de Produção, à Administração Industrial, à Gestão de Operações”.

Contra diversas prefeituras pipocam denúncias de contratos sem licitação e superfaturados.

Do ponto de vista pedagógico, a opção deve ser abordada sob dois aspectos. Como aparato didático, a apostila encadernada é também um livro, só que resumido. Basta comparar os sumários de livros didáticos com os de diversas apostilas e notar a semelhança. A diferença está na quantidade de conteúdo, geralmente menor nas apostilas (se bem que os livros estão cada vez mais assemelhados, com supressão de textos e páginas emporcalhadas pelo excesso de imagens).

O maior problema é que as aulas apostiladas são extremamente dirigidas e se fundamentam no mito de que é possível dar seis aulas idênticas, para alunos diferentes. Isso compromete o processo pedagógico e cria uma geração (mal) acostumada a ler pouco e em tópicos.

Em relação ao professor, o apostilamento dos cursos sugere a concepção que a secretaria estadual faz da categoria: um bando que pouco sabe e cujo trabalho precisa ser controlado ao extremo. Para tanto, adota-se a receita de bolo que estabelece uma forma única de dar aulas.

Tenho autoridade para criticar esse modelo porque não sou adepta do laissez faire pedagógico. A educação é um bem público (mesmo na rede privada) e por isso não pode estar sujeita a concepções particulares.

Defendo a idéia de um currículo único e do estabelecimento de programas que devem ser concluídos ao final de cada série ou nível de ensino. E isso nada tem a ver com a camisa de força que está por trás da idéia das “aulas apostiladas” (a substituição da palavra “cursos” por “aulas” é proposital).

Essas são as questões que realmente importam. Mas se alguém quiser fazer outro tipo de exploração, também pode. Afinal, os dois “Paraguais” - um na Bolívia e outro no Uruguai - são crias de uma gestão notabilizada por desqualificar publicamente os professores. Quanta ironia!

*Professores de Geografia e diretora do SINPRO-SP e da FEPESP

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