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Museu resgata importância do negro na história do Brasil

Atualizada em 08/07/2005 15:39

Por Elisa Marconi e Francisco Bicudo

Foto: Mário Cravo Neto

Pense em um navio negreiro. Pensou? Caso fosse possível projetar seu pensamento, provavelmente enxergaríamos negros amontoados e acorrentados, enclausurados num porão apertado, dentro de um navio saído da África, que rasgava os mares em direção às Américas. O exemplo ilustra uma prática cada vez mais comum nas salas de aula: afinal, já há um certo consenso entre os especialistas que o armazenamento de informações, e sua transformação em conhecimento, se tornam tarefas muito mais fáceis e prazerosas quando nossas lembranças são estimuladas por imagens.

Pensando nessa perspectiva, muitos professores utilizam filmes e slides como instrumento pedagógico em suas aulas. É dessa maneira que o professor da escola estadual “Plínio Negrão”, Newton Santos da Silva, procura trabalhar com seus alunos. “Eles pedem e reagem bem. Além de quebrar a rotina das aulas, a imagem sempre causa impacto positivo”, conta. Para a disciplina que ministra, História do Brasil, o recurso é ainda mais importante. “É que fica mais fácil associar e fixar os conteúdos quando fotos, quadros e filmes ajudam a reavivar a memória”, afirma. “Além disso, para consolidar o que foi a monarquia, os imperadores, a vida colonial, os alunos precisam de símbolos, e as imagens ajudam a compor esse simbolismo”, revela o professor.

E um bom acervo para o professor fugir do habitual e buscar novas inspirações para compor seu universo imagético e o de seus alunos – além de uma boa opção de lazer cultural para as férias de julho – pode ser encontrado no Museu Afro-Brasil. Ele está localizado no Parque do Ibirapuera, uma das áreas mais nobres da capital. O acesso ao local se dá pelo portão 10, que fica em frente à Assembléia Legislativa. O espaço pode ser classificado como um museu de História, Etnologia e Artes. De acordo com seus administradores, seu grande diferencial é ser capaz de contar a história do país pela perspectiva do negro. “Mas a gente não gosta quando dizem, e nem é verdade, que o Afro-Brasil é o Museu do Negro. Esse aqui é um museu do Brasil. O negro está na base da fundação do povo daqui e não dá para fazer a separação e dizer ‘isso é Brasil, isso é negro’. Tudo aqui é Brasil”, ressalta a consultora em arte-educação da instituição, Maria da Bethania Galas.

A história do museu tem início na enorme coleção particular do artista plástico Emanuel Araújo, que recentemente deixou o cargo de Secretário Municipal de Cultura de São Paulo. São mais de 1.100 peças, que agora estão expostas, à disposição do público paulistano. As obras estão divididas em núcleos. Neles, o professor pode encontrar um farto – e belo – material para abastecer e rechear de imagens suas aulas e a imaginação dos alunos. Destacam-se as seções sobre a Diversidade da África, Trabalho e Escravidão, Religiosidade e Arte dos séculos XVIII, XIX e contemporânea, além do destaque para a arquitetura e a poesia.

Maria da Bethania conta que são tantas obras e tantas as possibilidades de encontro com o acervo do museu que o professor pode fazer vários roteiros diferentes, adaptando as obras que vai encontrar aos temas das aulas. “Ele pode optar por um roteiro sobre a mulher, sobre a questão dos estereótipos, sobre o trabalho e a escravidão, dentre tantos outros”, sugere a arte-educadora. Melhor seria se o professor fizesse a visita em grupo. Nesses casos, o museu oferece uma visita monitorada, acompanhada pelos educadores da instituição.

Foto: Mário Cravo Neto

E o professor Newton garante: também gosta de levar seus alunos a exposições. “Nesses passeios, a gente percebe que as imagens causam impacto nos meninos. Eles começam a relacionar o que estão vendo com o que foi dito na sala de aula. E isso aproxima o aluno da disciplina”, relata. O Afro-Brasil recebe escolas e também orienta essas visitas. Maria da Bethania lembra que, em contato com o acervo, os alunos se emocionam, porque as obras de arte expostas são realmente bonitas. E essa emoção é quem vai abrir espaço para uma série de reflexões. “Nossa proposta aqui é exatamente essa, a de promover essa reflexão, esses questionamentos. Normalmente o visitante sai daqui se perguntando quem foi o negro na história do Brasil e quem é o negro hoje”, explica a consultora de arte-educação. O professor de História vai além: “o educador precisa conhecer os negros que construíram a cidade de São Paulo, por exemplo. Teodoro Sampaio [que dá nome a uma importante rua em Pinheiros, Zona Oeste da Capital] era negro, mas ninguém sabe. Aliás, a cidade, a religião, a moda e a música têm grande influência negra e é preciso despertar os meninos para isso”, provoca Newton.

Se o professor se sentir tocado a começar a desvendar esse universo e quiser abastecer seu repertório de imagens, uma boa dica é aproveitar as férias para visitar a exposição de curta duração, que fica no andar inferior do Museu Afro-Brasil. Até 17 de julho, ela recebe uma mostra com 43 fotografias do baiano Mário Cravo Neto. O próprio fotógrafo foi o curador e selecionou obras que retratam as ligações entre Brasil e África. Fortemente calcada na expressão da religiosidade através das figuras do candomblé, a exposição é, no mínimo “provocativa”, como resume Maria da Bethânia. Não é uma mostra narrativa, não é documental e nem antropológica. O que o professor vai encontrar é uma seleção “de obras artísticas, uma visão muito particular de um artista, que provoca estados de espírito diferenciados em cada um dos visitantes”, reforça a arte-educadora. O professor de História Newton Santos da Silva acha importante essa perturbação: “sem inquietação, não há educação”, afirma.

Então, se você estiver na capital durante as férias de julho, não deixe de conferir a exposição do acervo fixo do Museu Afro-Brasil – que fica no andar de cima – e da mostra de fotografias de Mário Cravo Neto – no andar inferior. Depois de um mergulho tão rico na cultura negra do Brasil, certamente aquelas imagens que você tem na cabeça sobre o tráfico negreiro vão se multiplicar barbaramente.

Museu Afro-Brasil
Terça a Domingo – 10h às 18h
Para agendamento de grupos e escolas: (11) 5579 6099, ramal: 121 (das 9h às 18h)

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