Coronavírus

A invisibidade do professor no delicado retorno às aulas presenciais

Atualizada em 18/07/2020 15:07

Por Márcia Friggi

      Seguidamente ouvimos debates acerca do retorno às aulas, no Brasil, durante a pandemia. Sobre o assunto, falam os infectologistas, falam os médicos, falam as mães, falam secretários da educação, falam os prefeitos, vereadores. Ministro da educação não fala porque não temos, ou temos? Falam os alunos, falam os repórteres, falam os programas de TV, só os professores não falam. Pior, sequer são mencionados nesse processo como se não fizessem parte dele.
      Hoje, cruzei pela televisão no horário do programa “Encontro”, sentei para ver a simulação de um ambiente de sala de aula em que uma tinta foi usada para representar o novo coronavírus, detalhe, nessa simulação só havia duas pessoas na sala. Em pouco tempo mesas e vários objetos ficaram tomados pela tinta fluorescente que representava o vírus. Em seguida uma especialista foi entrevistada, não prestei atenção no seu nome ou especialidade. Ela falou sobre esse processo de volta às aulas presenciais. Mencionou a importância do retorno escalonado para que as salas não fiquem lotadas. Minimizou o perigo desse regresso ao dizer que as crianças, na maioria, não são infectadas e, quando são, apresentam apenas sintomas leves. Citou também a importância da escola para as crianças, mas não falou dos professores, nunca, uma única vez.
      Por puro vício de linguista que adora Análise do Discurso, fiquei contando nos dedos as vezes em que ela pronunciava a palavra “crianças”, perdi a conta, foram muitas, ao mesmo tempo em que esperava ansiosamente a inclusão da palavra “professores”, não houve. A eterna invisibilidade do magistério brasileiro gritava no discurso dessa senhora e me embrulhou o estômago.
      Estava ali, naquela fala, vergonhosamente escancarado o desrespeito pelos professores e a visão que a nossa sociedade possui da “escola”. Quando uma categoria tão fundamental nesse processo, sequer é mencionada, é porque não existe para esse sujeito do discurso. Excluídos os professores desse processo, a escola é reduzida a espaço de socialização, depósito de crianças para que os pais trabalhem, tulha para que os adolescentes não fiquem ociosos. A escola passa a ser tudo, menos espaço para a construção do conhecimento.
      A omissão da palavra “professores” quando se referem a esse retorno é também um desrespeito pelas nossas vidas, como se a nossa vida, a nossa saúde não fosse importante. Penso no quadro docente da minha escola e, através dele, traço um parâmetro. Poucos não estão no grupo de risco. A maioria possui comorbidades.  Entre os jovens e saudáveis, estão as grávidas. Isso sem considerar a carga de trabalho desses profissionais, muitos trabalham em mais de uma escola. Em escolas de cidades diferentes e precisam de transporte público. 
      Fico pensando no nosso esforço, na nossa luta para manter a qualidade do ensino neste ano letivo atípico. Fomos pegos de surpresa, como todos. A maioria de nós nunca estudou para dar aulas à distância. Aprendemos na marra, no susto. Nossa casa se transformou em estúdio. Nosso celular em instrumento de trabalho e voz para dez turmas, cerca de quatrocentos alunos e mais seus pais (no meu caso). Em tempos de aulas presenciais, meu celular estava sempre no silencioso para não perturbar, agora também porque muitos alunos e pais não respeitam dia nem horário. Trabalhamos em duas plataformas e quatro frentes: classroon, whatsapp, diário online e material impresso. Todo dia chega uma nova exigência, a mais nova é postar o plano de aula na íntegra, também no diário online. Quando falam em retorno, falam em retorno escalonado para os alunos. E o retorno dos professores também será escalonado? Ou teremos de assumir tudo, aulas presenciais e à distância? É sobre isso que nossos sindicatos precisam ficar atentos. Não há como dar conta de aulas presenciais e à distância ao mesmo tempo, se for assim, os que não morrerem de Covid19, vão morrer de exaustão. Ainda tem as lives, quase todo dia, para que os professores escutem, escutem, escutem. Quando nos será concedido o lugar de fala nisso tudo?
         O magistério é silenciado na educação brasileira desde o Brasil colônia, todas as decisões vêm de cima, de especialistas que já não estão no chão da sala de aula há tempos. Mais que ouvir, necessitamos também falar e, acima de tudo, precisamos ser ouvidos!

 

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