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Inflação e custo de vida: por que os números enganam?*

Atualizada em 20/02/2018 17:31

Clemente Ganz Lucio**, na ’ Agência Sindical

Em 2017, enquanto o governo comemorava a inflação média acumulada de 2,95%, segundo o Índice de Preços ao Consumidor Amplo, calculado pelo IBGE, resultado muito abaixo da meta estipulada de 4,5%, o consumidor reclamava que os números eram manipulados pelas instituições que os calculavam, que os preços estavam altos e que havia, sim, aumento no custo de vida.

É importante considerar, antes de tudo, que a inflação é calculada com base em uma cesta média da população da localidade a que se refere o índice. Com base nesta cesta, acompanha-se, mensalmente, a variação dos preços destes bens, e, de acordo com o peso de cada item, calcula-se a taxa mensal. Nem sempre a cesta média é igual à do conjunto de bens consumidos por uma determinada família. Por exemplo, se uma família específica não possui carro, o preço do combustível não faz parte do seu orçamento, mas é um item componente da cesta média pesquisada pelos vários institutos que calculam a inflação. Assim, a inflação média divulgada pode ser maior ou menor do que a inflação de uma determinada família. Há, porém, por trás dos números, muito mais do que a composição da cesta.

Em 2017, os alimentos foram os itens que mais diminuíram de valor e o motivo foi a excelente safra do ano. Realmente, os preços dos bens alimentícios mostraram retração no ano passado; no entanto, em 2015 e 2016, os valores médios de alimentos básicos como leite, carne, feijão, manteiga, queijo, frango, entre outros, tiveram trajetória altista, principalmente devido às variações climáticas, e atingiram patamares muito elevados. Por exemplo, o feijão carioquinha que, em 2016, chegou a ser reajustado em mais de 50% em alguns meses do ano, ao normalizar a oferta, não diminuiu o preço ao valor do início do ano. De forma que, em 2017, os recuos aconteceram, mas não foram suficientes para colocar as cotações em patamares próximos aos registrados em 2014.

Além disso, os preços dos bens chamados administrados, como água, luz, gasolina, álcool, gás de botijão, entre outros, foram reajustados muito acima da taxa média do ano. Segundo o Índice de Custo de Vida, calculado pelo Dieese, enquanto a taxa média do ano foi de 2,44%, o conjunto de preços administrados variou mais de 6%. Vale destacar ainda que os bens administrados são essenciais para todas as famílias, e têm peso maior no orçamento doméstico das famílias de menor renda: quando as contas de água, luz e gás não são pagas, os serviços a elas relacionados são cortados e a família fica sem refrigeração para os alimentos, sem televisão, sem banho, sem a possibilidade de cozinhar. Assim, grande parcela da renda das pessoas ficou comprometida no pagamento das contas de serviços básicos.

Existem ainda os bens oligopolizados, que são produzidos por grandes indústrias. O reajuste de alguns de seus segmentos, como o dos remédios, possui regulação do governo, mesmo assim, apresentaram elevação de preços no patamar de 6%, segundo o cálculo do Dieese, superior à inflação média acumulada.

O outro lado do problema está no decréscimo da renda das famílias. Desde 2014, o País vivencia a redução no crescimento da economia, a diminuição das ocupações, a elevação do desemprego, o aumento da informalidade e a queda nos rendimentos.

Por um lado, os preços dos bens livres, como alimentos básicos, atingiram alto patamar de valor e o recuo não foi suficiente para reduzir o preço final ofertado ao consumidor; e ainda, os bens essenciais ou administrados estão sendo reajustados muito acima da média da inflação. Por outro, as famílias brasileiras vêm perdendo renda e poder aquisitivo.

A percepção geral da sociedade brasileira é que, hoje, os itens básicos estão muito caros e o rendimento mensal possibilita cada vez a compra de menos itens. Resumindo, houve o empobrecimento das famílias, principalmente, as de baixa renda e, não há como comemorar os resultados da inflação em 2017.

* Publicado originalmente em 16/02/2017 no site Agência Sindical

**Clemente Gans Lúcio é sociólogo e diretor técnico do Dieese

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